O deputado estadual Paulo Ramos (PDT/RJ), era major da PM (Polícia Militar) e ainda estava na ativa em 1981, quando ocorreu o atentado ao Riocentro.
Em discurso na Assembléia Legislativa, ele elogia os esforços do repórter Chico Otávio, do jornal O Globo, em procurar trazer mais informações sobre o caso, mas reclama do jornalão descrever os fatos como ato isolado de arapongas, quando tudo aponta para uma operação com aval da alta cúpula dos serviços de inteligência do governo da ditadura.
Paulo Ramos narra o envolvimento da cúpula da PM do Rio e de setores do governo, em Brasília, com três fatos muitos estranhos:
- troca e prisão do comandante do Batalhão de Jacarepaguá, horas antes da explosão (que deveria ser responsável pelo policiamento ostensivo do evento);
- do comandante-geral da PM, General Nilton Cerqueira (*) ser chamado à Brasília, lembrando que, naquele tempo, a PM atuava subordinada ao Exército;
- da ordem repassada pelo estado-maior da PM para suspensão do policiamento previsto para o Riocentro;
(*) Cerqueira era coronel na época, e fez carreira em operações de combate à guerrilha, sendo a mais conhecida a caçada à Carlos Lamarca. Foi escolhido pelo general Milton Tavares (chefe do Centro de Informações do Exército, na época) para combater a guerrilha do Araguaia, entre janeiro e março de 1974.
Transcrição do discurso do Dep. Paulo Ramos (PDT/RJ)
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, todo ano, quando nos aproximamos do dia 1º de maio, vem à lembrança de uma parcela da população o episódio ocorrido no Riocentro, isto é, a bomba que explodiu no colo do poder, conforme assim se manifestou um grande jornalista do Jornal do Brasil: Villas-Bôas Corrêa.
Mas outros episódios, naquela fase, também aconteceram. A bomba que vitimou a Sra. Lida Monteiro, na OAB; a bomba que vitimou o companheiro Ribamar, que explodiu no gabinete do vereador Antônio Carlos Carvalho, o nosso Tunico, na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro; a bomba que explodiu na Tribuna da Imprensa, deixando um jornal combativo, conduzido pelo grande Hélio Fernandes, com graves dificuldades, não estando hoje mais circulando em nosso Estado, para prejuízo da liberdade de expressão e do próprio contraditório, na medida em que o jornalista Hélio Fernandes, sem nenhuma dúvida, foi e continua sendo um dos mais desassombrados jornalistas enfrentando sempre os verdadeiros donos do poder.
Mas os episódios vão sendo lembrados, novas informações vão sendo transmitidas e no último domingo o jornal O Globo, em matéria principal de três páginas, trata do episódio do Riocentro. Um dos signatários da matéria publicada é um jornalista pelo qual eu nutro o mais profundo respeito, que é o nosso Chico Otávio.
Paralelamente à importância de novos fatos trazidos à luz, a impressão que tive, lendo a matéria, é que ela poderia ser interpretada como se os episódios ocorridos representassem a manifestação de grupos celerados e subalternos, sem que os graves fatos ocorridos naquela fase de conclusão do regime autoritário, naquela fase de transição em que a ditadura estava sendo derrotada e acuada, possam ser transferidas as responsabilidades para os escalões menores. Como se todas aquelas ocorrências não obedecessem a um escalão de comando inserido na estrutura de poder.
E aí, Sr. Presidente, dentre vários episódios relatados na excelente reportagem, em relação a vários deles, eu posso dar o meu testemunho abalizado, porque estava no serviço ativo da Polícia Militar, no posto de major. Conheço praticamente todos os que estão citados na matéria e sei que eram meros executores de ordens emanadas das chamadas autoridades competentes, ou incompetentes, mas das autoridades que ocupavam os escalões de comando. Mas um detalhe pelo menos, e venho à tribuna para tratar exclusivamente dele, neste momento, eu não posso deixar passar. Porque a matéria diz que a ordem para a suspensão do policiamento previsto para o Riocentro, naquele 1º de maio, teria partido da 2ª Seção do Estado Maior da Polícia Militar, o que não corresponde à verdade dos fatos. A ordem foi dada diretamente pelo Comandante Geral da Polícia Militar à época, Cel. Nilton Albuquerque Cerqueira, que não estava no Rio de Janeiro. Foi a Brasília e só retornou ao Rio de Janeiro depois do 1º de maio.
E de Brasília, não sei onde ele se encontrava, mas publicou no boletim da Polícia Militar, a sua ida a Brasília. Se estava em qualquer setor de comando do Exército brasileiro ou se estava no Serviço Nacional de Informações, de lá determinou que o policiamento fosse suspenso e que a tropa permanecesse a postos longe, um pouco afastada do Riocentro para qualquer eventualidade. Veja que algo surpreendente! A ordem foi dada por telefone e recebida pelo subchefe do Estado Maior da Polícia Militar, à época, o Tenente-Coronel Homero Campos, já falecido.
Para demonstrar ainda mais a participação dos escalões dirigentes, além de a ordem ter sido dada de Brasília pelo próprio Comandante Geral da Polícia Militar, à época, reitero, Coronel Nilton Albuquerque Cerqueira e como o Comandante do 18º Batalhão era um Coronel da Polícia Militar – desafeto declarado do Comandante Geral, que era o Coronel Sebastião Hélio Faria de Paula – foi ele substituído do comando às 16 horas do próprio dia 1º de maio. E assumiu o comando daquela unidade o Coronel Ile Marlen Pereira Lobo com o objetivo de cumprir a ordem dada pelo Comandante Geral.
Para demonstrar que a estrutura da Polícia Militar foi inserida por deveres funcionais, por ordem do Comandante Geral, em toda aquela trama, um oficial, que era visto como uma espécie de… Como vou adjetivar? Como alguém que não concordava com os rumos políticos do nosso país, que era o Major Nilson Pinto Madureira, foi dispensado do serviço naquele dia para não permanecer no 18º Batalhão porque poderia, em lá permanecendo, agir de forma a contrariar as desumanas ordens que foram dadas pelo Comandante Geral. Porque todos nós sabemos o espetáculo estava acontecendo no Riocentro, o espetáculo que ia acontecer no Riocentro e quais foram os propósitos comprovados daquele atentado frustrado.
Não é possível, portanto, aceitar que mesmo em sendo uma matéria que traz novos fatos, que colabora para esclarecimentos de muita coisa, mas que fique a impressão de que não houve a participação do escalão dirigente no seio do Exército Brasileiro, incluindo aí, claro, a Polícia Militar a esse escalão subordinado.
Faço este pronunciamento, Sr. Presidente, porque não é possível, pelo menos deixar de reconhecer que o sargento vitimado obviamente morreu e não tinha como dar continuidade à sua carreira, mas o capitão que com ele estava no carro prosseguiu na sua carreira. Se aquele episódio estivesse contrariando qualquer orientação de qualquer comando, seguramente que o Capitão Machado não teria prosseguido na sua carreira, teria encerrado a sua carreia ali, porque aquele episódio, sem nenhuma dúvida, enxovalhou a imagem do Exército Brasileiro.
Sr. Presidente, ocupo esta tribuna para prestar esse esclarecimento. O episódio do Riocentro, como os demais, teve a participação de escalões dirigentes no seio do Exército Brasileiro, a começar pelo ex-comandante da Polícia Militar, já na reserva como general, à época o Coronel Nilton Albuquerque Cerqueira que, procedendo da forma como procedeu, ainda envolveu em um episódio que fica difícil adjetivar de tão arbitrário, de tão agressivo, de tão desumano, de tão atroz à Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Ele pertencia ao Exército Brasileiro. Enxovalhou o Exército Brasileiro, e como Comandante da Polícia Militar certamente também enxovalhou a corporação à qual pertenço até hoje e onde estive no serviço ativo durante quase 22 anos.
Muito obrigado.
Fonte: Amigos do Presidente Lula
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