A inegável trégua que a mídia concedeu a Dilma Rousseff nos primeiros meses de seu governo, esgotou-se. Inicialmente, foi uma estratégia da imprensa tucana para se livrar do estigma de oposicionista que construiu durante a campanha eleitoral. Só o tempo dirá se Dilma fez bem em aceitar participar da bajulação estratégica.
Ao ir à festa de 90 anos da Folha ou aos programas da Globo, Dilma mostrou grandeza e se popularizou junto aos setores mais conservadores, que passaram a enxergar nela virtudes que o seu antecessor não teria. Por outro lado, quando os ataques midiáticos aumentarem, caso a presidenta reaja a mídia dirá que aceita bem elogios e que não aceita críticas.
Mas nem tudo foi estratégia da mídia para se fortalecer a fim de recomeçar os ataques com a autoridade de quem antes elogiava. Foi oferecida a Dilma uma chance de se bandear de lado realçando “diferenças” dela para Lula, de forma que se tornasse um daqueles presidentes que pediam benção das famílias midiáticas a cada medida.
A recepção a Barack Obama no Brasil e o voto desfavorável ao Irã na Assembléia Geral da ONU que deliberou pelo envio de um inspetor de direitos humanos ao país foram interpretados como “mudança na política externa”, ou foi dito que foi interpretado.
Na verdade, ninguém que tenha o menor conhecimento sobre política externa consideraria receber Obama e votar pela chance de o Irã se redimir elementos suficientes para caracterizar uma mudança real de rumos na diplomacia brasileira.
A estratégia midiática também envolvia a divisão da militância petista, que, em boa parte, recebeu muito mal a cena da presidenta discursando na festa da Folha de São Paulo. Funcionou, no primeiro momento. Militantes e mesmo simpatizantes do PT chegaram a se conflagrar, uns defendendo a postura de Dilma e outros, repudiando.
Dilma e Lula tardaram a perceber, mas assim que as divisões na militância foram se tornando mais visíveis trataram de enterrar o factóide midiático. Lula passou a dar seguidas declarações de que seria zero a possibilidade de Dilma traí-lo e ela, para acabar com a conversa, viajou com ele para Portugal para homenageá-lo em cerimônia na Universidade de Coimbra.
Consciente de que Dilma não poderia trair Lula nem que quisesse, porque seria suicídio político, agora a mídia já prepara nova estratégia para enfraquecer um governo que vai adquirindo uma força política que pode se tornar ainda maior do que a de Lula.
A única diferença de Dilma para Lula é a de que ela é menos emocional, para o bem e para o mal. Apesar de emocionar menos a massa, a presidenta não cutuca a onça com vara curta e lhe retira o discurso da risível “ameaça à liberdade de imprensa” que o ex-presidente constituiria por reagir, só na retórica, aos ataques midiáticos.
Está, portanto, para começar o primeiro grande ataque tucano-midiático a Dilma. O alvo, para começar, é a Copa de 2014. Em conjunto com propagandas do PSDB na televisão falando em o Brasil “passar vergonha” no evento ao não conseguir se preparar para recebê-lo, a não tão esperta imprensa golpista vai dando a senha de que tentará materializar tal tragédia.
A colunista da Folha de São Paulo Eliane Cantanhêde está entre os mais privilegiados interlocutores do PSDB e, sobretudo, de José Serra e Fernando Henrique Cardoso. Sua coluna desta quinta-feira escancara o que pretendem as forças da oposição nos próximos anos. É importante ler o seu recado.
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ELIANE CANTANHÊDE
Onde passa boi, passa boiada
BRASÍLIA – Há algo de realmente preocupante na articulação do governo para a Copa de 2014, quando o Ipea diz, por exemplo, que, ao mesmo tempo, a Infraero não conseguiu gastar 44% do orçamento previsto para as obras nos aeroportos e não conseguiu cumprir o cronograma. Se havia dinheiro e onde gastar, por que não foi gasto?
Há também algo estranho quando a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, anuncia a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) para 2012 e ali não há nadica de nada para agilizar as obras e garantir que a Copa saia a contento. Aliás, nem a Copa nem a Olimpíada.
A oposição suspeita que tudo isso embuta uma grande jogada, não no campo do futebol, mas em outros campos bem mais pantanosos. Seria um chute na Lei das Licitações, que chateia e atrasa, mas é um freio para ambições descabidas e roubalheiras em geral.
O pretexto seria, ou será, que é preciso tirar burocracia e adicionar agilidade para reformar ou construir aeroportos, estradas, metrôs. Mas é aí que mora o perigo. Você flexibiliza o processo e acaba afrouxando os mecanismos de controle. Onde passa boi, passa boiada.
A oposição também teme que, além de jogar a Lei das Licitações para o alto, governistas estejam maquinando algo muito pior: usar a Copa para fazer caixa de campanha para o PT e os partidos aliados.
Longe da gente pensar uma coisa assim, não é mesmo? Mas, por via das dúvidas, é bom lembrar que o detalhe mais atordoante de todo esse campeonato é que 2014 não é só ano da Copa, mas também ano das eleições gerais. O que estará em jogo será um novo mandato para Dilma (ou Lula), além de todos os governos estaduais, Câmara e boa parte do Senado.
Dilma deve ter o máximo de cuidado. Não apenas para se prevenir contra escândalos, mas também para evitar suspeitas, porque elas são como coceira: quando começam, não passam. Já está coçando.
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A estratégia é clara. Enquanto vendem a ameaça de o “país do futebol” poder vir a “passar vexame” diante do mundo por não conseguir se preparar para receber um mísero evento esportivo, mídia e oposição farão de tudo para atrasar as obras através da denunciação de sucessivos escândalos em licitações etc.
Como a burocracia das licitações e permissões é draconiana, mesmo as denúncias menos fundamentadas de corrupção poderão interromper o processo de adequação da infra-estrutura para receber a Copa de 2014. A “profecia” tucano-midiática, portanto, vai se tornando auto-realizável.
Mais uma vez, surge um problema de comunicação do governo. Em primeiro lugar, ficar quieto enquanto dizem que o Brasil não conseguirá se preparar para a Copa do Mundo de 2014 vai permitindo que as pessoas comecem a levar a sério tal possibilidade. Em segundo lugar, não caracterizar o bloqueio politiqueiro das obras como tal, é suicídio.
Enquanto é tempo, o governo Dilma tem que vir a público garantir que as obras serão feitas, que o Brasil não passará “vexame” coisa nenhuma e tem que denunciar que inventarão escândalos nas obras visando atrasá-las, visando desgastar o governo politicamente. As denúncias devem começar em breve.
Fonte: Cidadania
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