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terça-feira, 4 de maio de 2010

Pelo amor de Deus, politicagem com Aids, não!

Não sou médico, muito menos infectologista. Não posso dar opinião sobre a segurança de tal ou qual procedimento médico em relação a AIDS, esta doença dos nossos tempos e algo que provoca medo e sofrimento a milhões de pessoas pelo mundo. Sei também que, há muitos anos, o Brasil vem sendo referência mundial no combate à AIDS. E o Ministério da Saúde, hoje e antes, na gestão de José Serra, tem enorme respeito da comunidade médica mundial pelo seu esforço e seriedade na prevenção e tratamento das pessoas que contraíram a doença. A Aids continua sendo mortal, mas sobreviver a ela por anos e anos, com qualidade de vida, é uma conquista real que deveria alegrar todos os corações onde há humanidade. E o Brasil – que bom! – é um líder incontestável em tratamento massivo da doença.

Não sou médico, como disse. Mas sou um ser humano, alguém que viu e vê pessoas com Aids viverem um sofrimento tão grande quanto o da doença, o da discriminação. O preconceito é tão grande que, uma vez, um amigo contou-me que um conhecido seu, portador da doença, se emocionou só porque ganhou dele um abraço, tal o terror que as pessoas tinham de simplesmente, tocá-lo.

Por isso, é repugnante o que faz hoje a Folha de S. Paulo. É desumano. É vil. Usar a vida e os anseios das pessoas portadoras de AIDS em ter filhos para fazer politicagem eleitoreira é doentio. E é, vou provar aqui, jornalismo da pior qualidade.

A manchete do jornal – “Governo quer estimular portador de HIV a ter filho”- encima uma foto – comprada da Agência Globo – onde Dilma Rousseff aparece em primeiro plano, parecendo empurrar um Serra diminuto. Não preciso recorrer a especialistas para dizer que a associação, embora sejam duas matérias diferentes, é imediata.

Mas isso ficaria na conta da distribuição de títulos e imagens, subjetiva. O que é feito, porém, é imensamente pior. A matéria se baseia num documento em elaboração por especialistas – portanto ainda não aprovado e distribuído pelas autoridades – onde se orienta sobre as condições em que a reprodução não assistida entre casais onde um dos parceiros não é soropositivo e aquele que é esteja sob tratamento e com carga viral indetectável pode acontecer. E mais, reconhece que, por falta desta orientação, perto de três mil mulheres contraíram Aids na tentativa, ditada pelo amor, de ter filhos com seus parceiros.

E morrem porque a reprodução assistida é caríssima, cerca de R$ 15 mil, e isso é proibitivo para a imensa maioria dos casais nestas condições e há pouqíssimos lugares onde ela pode ser feita a preços mais reduzidos.

Uma exploração abjeta na manchete escandalosa de algo que deveria ser tratado com seriedade e sobriedade, ouvindo especialistas de vários ramos. O único outro infectologista ouvido, além da consultora do Ministério, é um especialista do Hospital Emílio Ribas, um dos melhores do mundo, que concorda com a orientação técnica que recebe, no jornal, a oposição justamente dos médicos que possuem ou trabalham em clínicas de reprodução assistida. Não tenho conhecimento para dizer quem está certo na polêmica, mas até por isso o assunto deveria ser tratado de maneira mais ampla e séria.

O mau jornalismo, porém, não pára aí. A polêmica  sobre isso é velha. O leitor da Folha tem sonegada a informação que qualquer um pode conseguir, como eu consegui, em cinco minutos de pesquisa: a orientação que o Governo brasileiro ainda não adotou e que virou manchete já é oficial em outros países.

Reproduzo, abaixo, trechos da reportagem da agência estatal de notícias da Suíça – a Suíça, reparem, não é um país atrasado e poucos podem ser apontados como mais conservadores do que ele - publicada há mais de dois anos, que informa a decisão  da Comissão Suíça para Questões Ligadas à Aids (CFS, na sigla em francês),estatal também,  em comunicado oficial publicado no Jornal dos Médicos Suíços, de aprovar a reprodução natural entre casais sorodiferentes, nas mesmas condições mencionadas no  documento em elaboração pelas nossas autoridades .

“”Uma pessoa portadora de HIV, submetida a uma terapia anti-retroviral que funciona, não transmite o vírus da Aids através de contatos sexuais”, afirma a CFS. Para que o tratamento possa substituir o preservativo, no entanto, precisam ser atendidas três condições.
Primeiro, a terapia tem de combater o vírus de tal forma que ele não seja mais encontrado no sangue durante seis meses; segundo, ela precisa ser rigorosamente seguida pelo paciente e regularmente controlada pelo médico; terceiro, o paciente não pode ter outras doenças sexuais transmissíveis.”

(Mesmo não sendo meu papel aqui orientar, friso, por responsabilidade, que, fora das condições descritas e sem orientação médica adequada, o risco de contágio é grande e tem que ser evitado)

Na matéria, são citados diversos estudos, em vários países, onde não há registros ou são insignificantes. Não me cabe discutir se isso é o suficiente ou não. Nem eu, nem os repórteres, nem os editores da Folha temos conhecimento e capacidade para isso.

A minha dignidade humana e o meu respeito e solidariedade para com as pessoas portadoras de Aids e os riscos que a doença envolvem tornam óbvio que nem um blog, nem um jornal são o foro adequado para a discussão de uma decisão médica. Muito menos para fazer terrorismo usando o preconceito e o medo. E, menos ainda, para fazer uso eleitoral disso. Fiz questão de começar este post reconhecendo e aplaudindo a ação do Ministério da Saúde sobre o tema, inclusive na gestão de José Serra.

Não é possível que a ânsia de politicagem eleitoreira de nossos jornais tenha chegado a este ponto.Não é apenas a exploração vil, abjeta, nojenta, do medo da doença, do preconceito, da idéia de que o portador de Aids não é um ser humano com sentimentos e desejos como qualquer pessoa. É fazer isso para uma nem mal disfarçada ação político eleitoral.

Não é a ditabranda, agora. Agora é a dita-aids.

Fonte: Tijolaço

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