Por Roberto Numeriano
Na teoria das Relações Internacionais, há uma máxima da escola realista que afirma: os Estados não possuem amigos, mas interesses. Empregada por Raymond Aron, no célebre Da Guerra, vez ou outra é citada, com pretensões de erudição sábia, nas análises superficiais de editoriais dos jornalões da grande mídia do capital. A lembrança vem a calhar quando assistimos mais um movimento das peças no grande tabuleiro geopolítico do Oriente Médio, protagonizado agora pelo Acordo Brasil – Irã – Turquia, relativamente à política iraniana de energia nuclear.
Não vamos aqui entrar no debate vazio sobre se o Irã estaria ou não disposto a cumprir as cláusulas. Isto equivaleria a discutir, por exemplo, quais seriam as intenções de eventuais extraterrestres no Cosmos, se pacíficas ou belicosas, com relação aos terráqueos. Interessa-nos analisar o significado concreto do gesto político do Brasil no quadro das disputas pelo espaço na geopolítica mundial, na qual o governo tenta projetar o país como ator influente e soberano.
A reação estadunidense ao acordo trilateral busca neutralizar essa voz e soberania de dois novos atores que repercutem a maioria da comunidade internacional frontalmente contrária ao belicismo de Obama e seus falcões em pele de cordeiro. Integram essa comunidade o Movimento dos Não-Alinhados (ou, como é conhecido na sigla em inglês, Non-Aligned Movement, NAM), que é unanimemente contrário a mais sanções contra o Irã, e o Grupo dos 172 (todos os países, exceto o Grupo dos 20), também contrário a novas sanções. Ou seja, quase todos os países que compõem a ONU querem o diálogo e a negociação no caso da política nuclear do Irã.
O Departamento de Estado do governo Obama, jogando nos mesmos termos político-ideológicos da Guerra Fria, quando impunha sua ordem militar, financeira e política ao mundo ocidental, “livre” e cristão, quer continuar aplicando aquela lógica de poder como se a roda da história não tivesse girado, trazendo à cena das disputas economias e Estados que se projetam com políticas de poder alternativas ou contrárias aos estrategistas de Washington. É o chamado mundo multipolar, onde Brasil, Índia, Venezuela, Turquia, África do Sul, entre outros, articulam e geram suas demandas sem pedir licença ao antigo império colonial estadunidense que sufocava (e ainda sufoca, quando se trata de países periféricos, política e economicamente) quaisquer iniciativas soberanas.
O interesse efetivo da pressão dos EUA contra o Irã não suporta o jogo de novos atores que neutralizam a alternativa da ação armada (o passo seguinte, grande desejo secreto da indústria bélica dos EUA, para gastar suas armas e “gastar” outros povos). Movem-se, aqueles estrategistas, pela lógica da submissão da soberania dos Estados. Para Washington, Estado bom ou “amigo” é Estado títere, manipulado e obediente. Trata-se, em essência, de manter uma geopolítica da mistificação, sempre amplificada pela mídia de direita, que evoca a voz do dono com um cinismo e imoralidade assustadores, numa política de desinformação que lembra o tempo da Guerra Fria. Ganha um doce quem apontar algum editorial de grande revista ou jornal criticando a construção de bases militares (e de espionagem da CIA e DEA) do Tio Sam na Colômbia, bem como a reativação da IV Frota dos EUA no Atlântico Sul ou os seus 10 / 15 mil marines para ocupar o Haiti sob o argumento de ajuda “humanitária”.
O fato é que a paz concreta não é possível sob a lógica dos interesses hegemonistas políticos de Washington, os quais são condicionados pelo seu poder bélico e econômico. Por causa dessa lógica, temos em curso a Guerra do Afeganistão e a ocupação do Iraque, ambientes geopolíticos para a projeção de poder no Oriente Médio e garantia de um preço de barril de petróleo favorável à economia dos EUA. Por causa dessa lógica, pretendem estender a guerra do capital para o Irã. Por causa dessa lógica, imaginam o mundo periférico à sua ordem político-econômica uma grande colônia a ser “civilizada” pelos canhões e fuzileiros.
Com esse andar da carruagem, não demora e vamos todos guerrear uns aos outros com pedras e paus.
Roberto Numeriano é cientista político (UFPE), jornalista, membro do Comitê Central e da direção estadual do PCB – PE.
Fonte: Blog do Jamildo
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