Por vezes incontáveis a grande imprensa repisou uma história sobre que uma maioria expressiva da sociedade rejeita mesmo depois de tanto tempo sofrendo esse bombardeio opinativo que visa reverter-lhe a percepção. Tendo as Organizações Globo, o Grupo Folha, o Grupo Estado e a Editora Abril à frente, esse movimento “jornalístico” tenta convencer os brasileiros de que o governo anterior do país, presidido por Fernando Henrique Cardoso, tem a maior parte do mérito pelos sucessos deste governo.
Em mais um entre os milhares de textos, em mais uma entre as muitas versões que essa mídia produziu para a mesma história a colunista de economia de O Globo e da TV Globo Miriam Leitão tenta conseguir o que gente muito mais hábil do que ela tentou e jamais conseguiu, ou seja, vender a mais popular das histórias da imprensa golpista para boi dormir, a de que o governo Lula tem o único mérito de ter continuado a fazer na economia, no social, enfim, em tudo que dá certo, apenas o que FHC começou.
Quando digo que a grande maioria dos brasileiros não engole essa tese, digo com base em fatos como a pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT) encomendada ao Instituto Sensus no fim do ano passado e que pediu aos entrevistados uma comparação entre o atual governo e o anterior.
Para 76% dos pesquisados, o governo Luiz Inácio Lula da Silva é melhor do que o de Fernando Henrique Cardoso. A rejeição a FHC é tanta que a pesquisa CNT/Sensus revelou que 49,3% dos dois mil entrevistados afirmaram que não votariam em um candidato indicado pelo ex-presidente. Ao mesmo tempo, a rejeição a um nome indicado por Lula era de 16%. Agora deve ser menos…
Não obstante o insucesso monumental que a mídia tem tido em vender essa tese, não desiste. E cada uma das suas tentativas de “fechar” a venda encerra certa peculiaridade marcante: o otimismo aparente e a intenção clara de apresentar aquela versão velha como fato novo que, finalmente, vem a público. É o que faz Miriam Leitão no texto que reproduzo a seguir, sobre o qual faço algumas considerações ao final desta postagem.
Em nome dos fatos
Miriam Leitão em O Globo de 11/08/2010
Inflação fora de controle quem enfrentou foi o Plano Real. O acumulado em 12 meses estava em 5.000% em julho de 1994. Quando a inflação subiu em 2002, no último ano do governo Fernando Henrique, pela incerteza eleitoral criada pelo velho discurso radical do PT, ficou em 12%.
Ela foi reduzida pelo instrumental que o PT havia renegado. Isso é a História. O resto é propaganda e manipulação.
O PT e o governo Lula têm dito que receberam o país com descontrole inflacionário e a candidata Dilma Rousseff repetiu isso na entrevista do Jornal Nacional. O interesse é mexer com o imaginário popular que lembra do tormento da inflação.
A grande vitória contra a inflação foi conquistada no governo Itamar Franco, no plano elaborado pelo então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, como todos sabem. Nos primeiros anos do governo FH houve várias crises decorrentes, em parte, do sucesso no combate à inflação, como a crise bancária.
Foi necessário enfrentar todas essas ondas para garantir a estabilização. Nada daquela luta foi fácil. A inflação havia derrotado outros cinco planos, e feito o país perder duas décadas.
Todos sabem disso. Se por acaso a candidata Dilma Rousseff andava distraída nesta época, o seu principal assessor Antonio Palocci sabe muito bem o que foi que houve. Ele ajudou a convencer os integrantes do partido a ter uma atitude mais madura e séria no combate à inflação.
O PT votou contra o Plano Real e fez oposição a cada medida necessária para consolidar a nova ordem. As ideias que o partido tinha sobre como derrotar a alta dos preços eram rudimentares.
Em 2002, a inflação subiu principalmente nos dois últimos meses, após a eleição. A taxa, que havia ficado abaixo de 6% em 2000, subiu um pouco em 2001 e ficou quase todo o ano de 2002 em torno de 7%. Em outubro daquele ano, o acumulado em 12 meses foi para 8,5%. Em novembro, com Lula eleito, subiu para 10,9% e em dezembro fechou em 12,5%.
É tão falso culpar o governo Fernando Henrique por aquela alta da inflação — de 12,5% repita-se, e não os 5.000% que ele enfrentou — quanto culpar o governo Lula pela queda do PIB do ano passado, que foi provocada pela crise internacional.
Recentemente, conversei com um integrante do governo Lula que, longe dos holofotes e da campanha, admitiu que essa aceleração final foi decorrente do fato de que a maioria dos empresários não acreditava que o governo Lula fosse pagar o preço de manter a estabilização.
Esse foi o mérito do PT. Foi ter contrariado seu próprio discurso, abandonado suas próprias propostas, por ter percebido o valor da estabilização.
Esse esforço foi liderado por Palocci e pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. A inflação entraria numa rota de descontrole que poderia até ter destruído o esforço feito durante os oito anos anteriores se o governo Lula tivesse persistido nas suas propostas.
A História foi essa e não a que a candidata Dilma Rousseff apresentou.
É profunda a fragilidade dessa versão dos fatos em nome da qual Leitão pretende se manifestar. Até no texto dela é possível ver elementos que mostram toda distorção espertalhona que está sendo praticada.
Ela diz, a certa altura, que, “Em 2002, a inflação subiu principalmente nos dois últimos meses, após a eleição. A taxa, que havia ficado abaixo de 6% em 2000, subiu um pouco em 2001 e ficou quase todo o ano de 2002 em torno de 7%. Em outubro daquele ano, o acumulado em 12 meses foi para 8,5%. Em novembro, com Lula eleito, subiu para 10,9% e em dezembro fechou em 12,5%.
Ora, o que Leitão acaba de descrever nada mais é do que um processo inicial de descontrole inflacionário, de inflação ascendente, iniciado em 1999, quando a maxidesvalorização do real, imposta ao país pela retenção irresponsável da desvalorização da moeda por FHC – que não tomou as medidas necessárias no momento certo visando as eleições de 1998 –, gerou inflação ao encarecer os insumos importados na economia.
Claro que a ascensão de Lula nas pesquisas e a probabilidade de ele vencer a eleição presidencial provocaram, sim, intranqüilidade na economia e, sobretudo, entre o capital estrangeiro. Isso, no entanto, ocorreu não só por idéias pretéritas do PT que assustavam os mercados, mas devido a um terrorismo feito pelo PSDB, com Regina Duarte e tudo, enquanto que o então partido oposicionista tentava convencer sociedade e aqueles mercados de que mudara sua visão.
Outra versão absurda dos fatos é a de que, como diz Leitão, o plano Real tenha sido “elaborado pelo então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, como todos sabem”. Conversa. O mesmo Plano já tinha sido imposto por Ronald Reagan a boa parte da América Latina. Países como Argentina, Bolívia ou México, entre outros, já tinham adotado o modelo que se baseava em âncora cambial e privatizações para quebrar a dinâmica inflacionária.
A candidata Dilma Rousseff faria um bem enorme ao país se repetisse os argumentos que exibo aqui da próxima vez que o candidato José Serra vier mentir na cara de todo um povo que, como revelam as sondagens da opinião pública da natureza da que reproduzi, não crê em uma única palavra que conste de versões dos fatos como a descrita por Miriam Leitão no texto acima.
Fonte: Cidadania
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