
Mino Carta costuma dizer que o Brasil é o único país do mundo onde jornalista chama o patrão de colega. Não raro se vê uma grita geral de jornalistas defendendo a liberdade de imprensa e a liberdade expressão. Muitas vezes essa grita vem acompanhada da distorção dos fatos, e de acusações de que o atual governo busca cercear a liberdade de imprensa da mídia. Não são poucos os veículos de comunicação que reproduzem esse discurso falseado – assim como não são poucos os jornalistas que introjetam voluntaria e acriticamente esse discurso (seja por quais motivos forem).
A verdade é que as corporações de comunicação escondem de seu público que nos últimos anos o Brasil avançou 13 postos no ranking mundial de liberdade de imprensa (ver aqui). Essa postura obtusa de depositar no Estado problemas que são inerentes aos veículos (no que diz respeito à liberdade que impera no interior das empresas de comunicação) é, além de insidiosa, muito confortável: porque cai muito bem no corpo das viúvas negras um vestido branquíssimo e sedutor na hora de levar suas presas ao leito de morte, que é o mesmo palco do amor.
Se ainda temos problemas? Evidente que sim. Um deles é a distância que marca o discurso homogêneo da mídia mais reacionária das suas práticas impositivas de restrições às atividades de seus próprios jornalistas e colunistas. Se eu quero acabar com essa prática? De forma alguma. Os jornais são empresas privadas (e, diferentemente de rádios e tevês, não gozam de concessão pública), e que cada dono cinja por sua vontade os limites de seus funcionários. Abusos, se ocorrerem, devem ser julgados pela Justiça. O que é difícil de tolerar é o hábito ingênuo de muitos jornalistas que tomam para si as verdades e as conveniências que são particulares dos seus colegas patrões.
Se a grande mídia brasileira fosse seriamente comprometida com a liberdade de imprensa, o episódio descrito abaixo deveria causar uma indignação geral em todo o país. Mas até que ponto a “liberdade de imprensa” que tanto defendem os patrões (e também seus colegasempregados) não se resume à liberdade do próprio dono do veículo de comunicação?
Se colocarmos a questão em perspectiva histórica, veremos que esse discurso se tornou muito comum do período de redemocratização pra cá. Mas, afora o lado moderninho do discurso, o que parece imperar, na prática, é sempre a liberdade dos interesses do dono.
“Editor do DN é demitido por fazer matéria sobre livro que fala de Marxismo”

do site do Sindicato de Jornalistas do Ceará
No momento em que a grande mídia distorce e critica o projeto de indicação aprovado na Assembleia Legislativa do Ceará, que propõe a criação do Conselho Estadual de Comunicação – sob a alegação de que vai “cercear a liberdade de expressão” -, o jornal Diário do Nordeste demitiu de forma arbitrária, no último dia 18 de outubro, o jornalista Dalwton Moura, por ter escrito e editado matéria no Caderno 3 sobre as revoluções marxistas que marcaram os séculos XIX e XX.
O caderno especial, de seis páginas, foi considerado pela direção da empresa “panfletário” e “subversivo”, além de “inoportuno ao momento atual”.Tendo, entre outras fontes, o filósofo Michael Löwi, que estaria em Fortaleza para lançar o livro “Revoluções” (com imagens que marcaram os movimentos contestatórios decisivos para a história dos últimos dois séculos), a matéria foi pautada pelo editor-chefe do jornal, Ildefonso Rodrigues, tendo sido sugerida pela historiadora e professora Adelaide Gonçalves, da Universidade Federal do Ceará (UFC). No entanto, ao comunicar a demissão do jornalista, o editor-chefe se limitou a dizer que “não sabia o conteúdo da reportagem até vê-la publicada”.
O caso do jornalista Dalwton Moura não se trata de demissão por delito de opinião, pois ele não emitiu, em qualquer momento, juízo de valor sobre o conteúdo da pauta. Perdeu o emprego muito menos por incompetência ou negligência na sua função. Ironicamente, o trabalhador foi dispensado simplesmente por cumprir uma pauta que, depois de publicada, percebeu-se ser contra os interesses da empresa.
A direção do jornal não pode alegar, no entanto, que desconhecia o conteúdo da matéria, pois além de ter sido pautado pelo editor-chefe, o assunto foi relatado em, pelo menos, quatro reuniões de pauta que antecederam sua publicação.
A demissão do então editor do Caderno 3 expõe o abismo entre o discurso da grande mídia conservadora, que se diz ameaçada em sua liberdade de expressão - inclusive atacando com este falso argumento o projeto do Conselho de Comunicação do Estado -, e suas práticas cotidianas, restritivas ao exercício profissional dos jornalistas, bem como à livre opinião de colaboradores e leitores.
“O Sindicato dos Jornalistas do Ceará protesta contra esta demissão arbitrária e mantém sua luta pela verdadeira liberdade de expressão para os jornalistas e para todos os brasileiros, manifestada em projetos como o do Conselho de Comunicação”, afirma o presidente do Sindjorce, Claylson Martins.
Fonte: Acerto de Contas
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