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terça-feira, 9 de novembro de 2010

Marco regulatório da mídia não é censura à liberdade de imprensa


"O Grito" - mas não o de Munch...
Alguns setores da sociedade brasileira ainda relutam contra a Proclamação da República – que o digam algumas alas das nossas elites jurídicas e alguns donos da mídia. Não por acaso, no Brasil, costuma-se dizer que exigir o cumprimento da Constituição Federal é um gesto revolucionário. Uma das questões que o próximo governo terá necessariamente que se debruçar para proclamar a República com base na Constituição de 88 é relativa ao marco regulatório da mídia.
Ao contrário do que muita gente pode acreditar, as discussões sobre a regulamentação da mídia no Brasil não é resultado dos debates eleitorais deste ano, nem mesmo das eleições passadas. O assunto é motivo de debates e estudos há mais de 20 anos – e não apenas no Brasil, mas em vários países do mundo.
Oooooh! Lá vem o blogueiro “revolucionário” pregar a censura e o fim da liberdade de imprensa!”
Conversa pra boi dormir. Mas não causará espanto se tal enunciado bicho-papudo tiver passado na cabeça de algum leitor. Muita gente ainda acredita nessa bobagem de que exigir a regulamentação da mídia tem como objetivo restringir a liberdade da imprensa e de expressão. Isso é resultado de anos e anos de desinformação propalada pelos próprios grandes veículos de imprensa, cujo interesse maior é manter as boas condições de mono e oligopólios no setor da omunicação Social. A desinformação atua na seguinte frente: confundir marco regulatório com restrição da liberdade de imprensa e de expressão, ainda que sejam coisas totalmente distintas.
Se muitos dos nossos parlamentares têm o hábito nefasto de legislar apenas em causa própria, concedendo aumentos salariais e privilégios nababescos a si próprios, o análogo desse fenômeno quanto à regulamentação da mídia é justamente a postura dos magnatas da grande imprensa em não informar devidamente a população sobre questões que atingem frontalmente seus interesses particulares – no geral, interesses monopolistas, antidemocráticos e pouco republicanos.
Não se diz isso em nossos noticiários, mas a regulamentação da comunicação no Brasil está prevista desde a Constituição Federal de 1988 (Artigos 220, 221 e 223) – que prevê, inclusive, o estabelecimento de um Conselho de Comunicação Social, a ser instituído pelo Congresso Nacional (Art. 224) como órgão auxiliar da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Além disso, vários países ao redor do mundo têm dispositivos de regulação da mídia (ver aqui) – e são países considerados exemplos de democracias avançadas.
No Brasil, o único dispositivo legal que impunha regras às atividades do setor (a Lei de Imprensa) foi derrubado recentemente pelo STF, deixando um vácuo jurídico na área. Esse vácuo motivou uma proposta de Ação Direta de Inconstitucionalidade (escrita por Fábio Konder Comparato) contra a omissão do Congresso Nacional (ver aqui). A ADIn contra a omissão do Congresso foi movida pela Federação dos Radialistas (Fitert) e pela Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj), e também recebeu apoio do PSOL. A Ação exige que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal legislem sobre a matéria.
Mesmo depois deser derubada a Lei de Imprensa, ela continua sendo invocada em processos judiciais, muito embora seja considerada inválida (confira alguns casos aqui). Por exemplo, se você ou sua empresa precisarem de um direito de resposta na mídia, sem uma lei que regulamente a imprensa você não terá garantias de que a resposta tenha o mesmo padrão de espaço, horário e fontes da matéria que originou o seu direito de resposta na Justiça. Você precisará torcer pela boa vontade do veículo – que pode ter destroçado sua reputação, ou de sua empresa (ver no link anterior o caso da fábrica de palmitos que a Globo prejudicou numa matéria sobre os testes de consumo de produtos).
Em julho deste ano, o presidente Lula criou uma comissão interministerial para elaborar uma proposta de anteprojeto de lei geral para o setor. Ele será entregue a todos os parlamentares no início do próximo mandato, e propõe a regulamentação dos artigos 220, 221 2 223 da Constituição Federal (ver aqui).
Embora os maiores interessados em manter esses artigos constitucionais na gaveta estejam atuando como verdadeiros agentes da desinformação, não está sendo prevista nenhuma restrição à liberdade de imprensa no projeto de regulamentação da mídia.
Ainda que estivesse, a presidenta eleita Dilma Rousseff já reiterou em mais de uma ocasião que não pretende censurar a imprensa.
O assunto será necessariamente colocado em pauta no próximo governo. Por isso, acredito ser saudável que não nos limitemos ao que o JN diz sobre o tema. É preciso buscarmos fontes alternativas de informação – afinal, a internet não pode mais ser alijada dessa discussão, e cabe a todos nós refletirmos sobre isso, porque nos dizem respeito diretamente.
Para aprofundar o debate, reproduzo logo abaixo o artigo de Venício A. de Lima, publicado no site do Observatório da Imprensa.
REGULAÇÃO EM DEBATE

“Marco regulatório vs. liberdade da imprensa”
Por Venício A. de Lima em 9/11/2010
Extraído no Observatório da Imprensa
Em entrevista concedida ao Jornal da Band, no último dia 2/11, a presidente eleita Dilma Rousseff tentou esclarecer, pela undécima vez, uma diferença que a grande mídia e seus aliados têm ignorado e, arriscaria a dizer, deliberadamente confundido: marco regulatório da mídia não tem nada a ver com qualquer restrição à liberdade da imprensa.
Diante da inescapável pauta sobre as “ameaças à democracia e à liberdade de expressão e de imprensa” que o país estaria enfrentando, o apresentador, Fábio Pannunzio, pergunta:
Apresentador – Esse é um assunto que, apesar de a senhora ter falado mil vezes disso, ainda não ficou claro o suficiente para que as pessoas possam entender. Então, vou insistir na pergunta. A senhora disse no seu discurso de anteontem [31/10] que prefere o barulho de uma imprensa livre ao silêncio das ditaduras, não é? A senhora estava se referindo a isso que se atribuí ao PT, que há uma tentativa de controlar a liberdade de imprensa no Brasil? (…)
Presidente eleita – Veja bem, você tem de distinguir duas coisas: marco regulatório de um controle do conteúdo na mídia. O controle social da mídia, se for de conteúdo, ele é um absurdo! É, de fato, um acinte à liberdade de imprensa, com esse acinte eu não compactuo. Jamais compactuarei.
Apresentador – A senhora vetaria se chegasse à sua mesa?
Presidente eleita – Se chegar na minha mesa qualquer tentativa de coibir a imprensa, no que se refere a divulgação de ideias, posições, propostas, opiniões, enfim, tudo que for conteúdo, eu acho que é isso que eu falei mesmo, o barulho da imprensa , seja que crítica for, ele é construtivo. Mesmo quando você discorda dele. Agora, isso não é um milhão de vezes, é infinitas vezes melhor que o silêncio das ditaduras. Isso é uma coisa.
Outra coisa diferente é a questão do marco regulatório. Porque o marco regulatório é outra questão. Vou tentar explicar, com alguns exemplos.
Apresentador – Para que a gente consiga entender, exatamente, a questão.
Presidente eleita – Com exemplos. Por exemplo: a participação do capital estrangeiro. Você tem todo o país regulamenta a participação do capital estrangeiro nas suas diferentes mídias. Outra questão, que é importantíssima, é o fato de que o mundo está mudando em uma velocidade enorme. Então, você vai ter de regular, de alguma forma, a interação entre as mídias, porque, hoje, quem faz isso não pode fazer aquilo, que não pode fazer aquele outro. O problema do cabo, o problema do sinal aberto, como é que junta tudo isso com internet; mesmo assim eu acho que a gente tem de ter muito cuidado.
Você tem de fazer um marco regulatório que permita que haja adaptações ao longo do tempo. Por quê? Porque, eu não sei se você lembra, em 80, nos anos 80, 90, a telefonia fixa era uma potência. Cada vez mais, com a base da internet, você tem a possibilidade, em cima da internet, de ter TV, telefonia, celular, enfim. O mundo está mudando, então até isso você vai ter de considerar. Você não pode ter, também, um marco regulatório que desconheça a existência da banda larga. E se você vai poder, ou não vai poder, fazer televisão, em que condições você vai fazer televisão. Isso o Brasil vai ter de regular minimamente, até porque tem casos que, se você não fizer isso, você deixa que haja uma concorrência meio desproporcional entre diferentes organismos.
Apresentador – Ok, muito obrigado pela resposta.
[Curiosamente essa parte da entrevista não consta do vídeo disponibilizado no site do Jornal da Band; a transcrição está disponível aqui.]
Confusão deliberada
Um marco regulatório se refere à regulação do mercado de mídia e à garantia de direitos humanos fundamentais. A regulação é necessária para impedir a propriedade cruzada e a concentração do controle nas mãos de umas poucas famílias e oligarquias políticas; garantir competição, pluralidade e diversidade. Para impedir a continuidade do “coronelismo eletrônico”; garantir o direito de resposta, inclusive o direito difuso, e o direito de antena. Em particular, marco regulatório se refere à radiodifusão (como se sabe, mas é sempre bom relembrar, uma concessão pública) e às novas tecnologias (internet, banda larga, telefonia móvel etc.).
Como diz a célebre frase do juiz Byron White da Suprema Corte dos Estados Unidos, “é o direito dos telespectadores e ouvintes, não o direito dos controladores da radiodifusão, que é soberano”.
É disso que se trata.
Pergunto ao eventual leitor(a) se ele acredita que em democracias como os Estados Unidos, a Inglaterra, a França, a Alemanha, Portugal, Espanha – para citar apenas alguns –, a liberdade da imprensa vive sob permanente ameaça? A comparação faz sentido no atual contexto brasileiro porque esses são países onde existe, há décadas, marco regulatório para o campo das comunicações, vale dizer, regulação da mídia.
A legislação ignorada
No Brasil, tanto a lei quanto a Constituição são cristalinas sobre a necessidade de fiscalização e regulação das concessões de radiodifusão. Ademais, os avanços tecnológicos das últimas décadas, que têm como marco a revolução digital e provocaram a chamada “convergência de mídias” pela diluição das fronteiras entre as telecomunicações e a radiodifusão, tornaram inevitável a regulação do setor.
Mais uma vez: é disso que se trata.
O Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962) prevê no seu artigo 10:
Art. 10. Compete privativamente à União:
II – fiscalizar os Serviços de telecomunicações por ela concedidos, autorizados ou permitidos.
Além disso, o código admite a punição para o caso de abusos de concessionários. Está escrito na lei:
Art. 52. A liberdade de radiodifusão não exclui a punição dos que praticarem abusos no seu exercício.
Art. 53. Constitui abuso, no exercício de liberdade da radiodifusão, o emprêgo dêsse meio de comunicação para a prática de crime ou contravenção previstos na legislação em vigor no País, inclusive: (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 236, de 1968)
Alguns exemplos de abusos citados na Lei:
e) promover campanha discriminatória de classe, côr, raça ou religião; (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 236, de 1968)
(…)
g) comprometer as relações internacionais do País; (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 236, de 1968)
Por outro lado, o Decreto n. 52.795 de 1963, que regulamenta os serviços de radiodifusão, antecipa normas e princípios que seriam, mais tarde, incorporados à Constituição de 1988. Está lá:
Art. 28 – As concessionárias e permissionárias de serviços de radiodifusão, além de outros que o Governo julgue convenientes aos interesses nacionais, estão sujeitas aos seguintes preceitos e obrigações: (Redação dada pelo Decreto nº 88067, de 26.1.1983)
11- subordinar os programas de informação, divertimento, propaganda e publicidade às finalidades educativas e culturais inerentes à radiodifusão;
12 – na organização da programação:
a) manter um elevado sentido moral e cívico, não permitindo a transmissão de espetáculos, trechos musicais cantados, quadros, anedotas ou palavras contrárias à moral familiar e aos bons costumes;
b) não transmitir programas que atentem contra o sentimento público, expondo pessoas a situações que, de alguma forma, redundem em constrangimento, ainda que seu objetivo seja jornalístico;
c) destinar um mínimo de 5% (cinco por cento) do horário de sua programação diária à transmissão de serviço noticioso;
d) limitar ao máximo de 25% (vinte e cinco por cento) do horário da sua programação diária o tempo destinado à publicidade comercial;
e) reservar 5 (cinco) horas semanais para a transmissão de programas educacionais.
Por fim, a Constituição de 1988, prevê, especificamente, leis federais para a regulação de diferentes aspectos das comunicações, assim como a instalação de um Conselho para auxiliar o Congresso Nacional em qualquer assunto relativo ao capítulo “Da Comunicação Social”.
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
(…)
§ 3º – Compete à lei federal:
I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;
II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
§ 4º – A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.
§ 5º – Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.
(…)
Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:
I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;
III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;
IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Art. 222. (…)
§ 3º Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221, na forma de lei específica, que também garantirá a prioridade de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 36, de 2002)
(…)
Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.
(…)
Art. 224. Para os efeitos do disposto neste capítulo, o Congresso Nacional instituirá, como seu órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei.
Direito à comunicação
Como disse a presidente eleita, há que se distinguir “marco regulatório de um controle do conteúdo na mídia”. Quem os confunde está, de fato, querendo evitar a regulação do mercado e a perda de privilégios históricos.
Insisto: regular a mídia é ampliar a liberdade de expressão, a liberdade da imprensa, a pluralidade e a diversidade. Regular a mídia é garantir mais – e não menos – democracia. É caminhar no sentido do pleno reconhecimento do direito à comunicação como um direito fundamental da cidadania.
É disso que se trata.

Fonte: Acerto de Contas

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