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quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

O Nordeste depois de Lula

Lula vistoria obras da Transnordestina, em visita a Missão Velha (CE);
abaixo, detalhe emato em Salgueiro (PE).
 Foto: Hélder Tavares/DP/D.A Press
Em todo governo uma cidade sai do anonimato direto para as manchetes dos jornais. Com Fernando Henrique Cardoso foi São José da Tapera (AL); com Lula, Guaribas (PI). A bola da vez é Salgueiro, no Sertão pernambucano. O que parece uma simples troca de cenários para fotos presidenciais é na verdade a melhor explicação das mudanças que ocorreram no Nordeste nos últimos 13 anos. 

Foto: Teresa Maia/DP/D. A. Press
São José da Tapera e Guaribas ganharam notoriedade pela extrema pobreza em que viviam. No primeiro, FHC lançou o Bolsa Alimentação; no segundo, Lula fez o mesmo com o Fome Zero. Já com Salgueiro a cantiga é outra: o município entra em evidência como exemplo de progresso. Lá estão canteiros das duas principais obras do governo federal no Nordeste: a transposição do Rio São Francisco e a Ferrovia Transnordestina. A cidade tornou-se pólo de atração de trabalhadores de outras regiões. O ISS pulou de R$ 1,5 milhão para R$ 5 milhões. Comerciantes e empresários estão ampliando os negócios. Os alugueis dispararam – o imóvel que antes se alugava por R$ 300 bateu na faixa dos R$ 1.000, podendo aumentar se o proprietário desconfiar que você é funcionário “das obras”. O que impulsionou os nomes de São José da Tapera e Guaribas para a atenção nacional foi a pobreza; o que está impulsionando Salgueiro para o mesmo destino é o dinamismo econômico. 

Para mostrar a nova realidade percorremos cerca de 4.500 quilômetros por toda a região. Encontramos dezenas de pessoas dizendo quase sempre a mesma coisa, com palavras diferentes. Como Robson Marques, de Sousa (PB): “Nunca mais eu vi ninguém pedindo esmola. E tem é muito prédio grande sendo construído na cidade”. 

Entrevistamos também especialistas em desenvolvimento regional e consultamos aproximadamente 1.500 páginas de estudos e documentos oficiais (estes, dos governo FHC e Lula, do IBGE, da FGV e do Ipea). A combinação de pesquisa e apuração de campo nos permitiu 1) escapar da armadilha de achar que crescimento conjuntural automaticamente elimina desigualdade acumulada. O Nordeste cresceu, mas a desigualdade regional não saiu do lugar; 2) comparar os governos FHC e Lula, com base em dados oficiais; 3) reunir uma série de dados de longo prazo que costumam ser divulgados de forma fragmentada, quando só fazem sentido se estiverem juntos.

Não há dúvidas que existe algo se movendo nas profundezas do Nordeste. A extensão do movimento só será percebida em sua inteireza no futuro. Por enquanto, apesar do grande impulso, a velocidade não é a necessária para se alcançar o Brasil em curto ou médio prazo - caso se mantenha assim, isso só acontecerá em 2074, segundo análise do Ipea. Se avançar mais, pode acontecer em 2054, vislumbra estudo do BNB. Mas o ímpeto mudancista que se vê na região é inédito em sua história. Quebrou o círculo vicioso da pobreza e tornou a entrar no eixo do desenvolvimento. As condições foram criadas para se passar à próxima etapa do crescimento - a redução da desigualdade regional. Trata-se de uma questão nacional, porque quando uma área está econômica e socialmente distante das outras, o desenvolvimento do próprio país fica prejudicado. 

Nos últimos anos o Nordeste partiu de São José da Tapera e Guaribas e chegou em Salgueiro. Já foi um grande percurso. Mas quem vê a região no longo prazo sabe que é preciso acelerar o passo, porque a distância a percorrer ainda é gigantesca.

O futuro está só começando

Até os anos 1970 Salgueiro era um dos municípios mais importantes da região. Em 1958 sediou um evento que foi precursor da criação da Sudene, o chamado Encontro de Salgueiro. A partir dos anos 80 entrou em decadência, passou um tempo sem que se prestasse atenção ao que acontecia lá e agora reaparece como exemplo de progresso. O Nordeste é a região mais antiga do país, teve a primeira capital do Brasil (Salvador, até 1763), seus principais produtos (açúcar e algodão) entraram em queda no final do século 19 e no início do século 20 a hegemonia econômica já estava no Sudeste, como café. 



“O progresso voltou. E temos motivo para sonhar alto. Quando estas obras estiverem prontas, Salgueiro será não só um dos municípios mais importantes do Nordeste, mas do Brasil”, diz o prefeito Marcones Libório de Sá, do PSB. Seu vice é o Dr. Cacau, do PCdoB. Nas eleições, durante debate na TV Record, Dilma Rousseff citou Salgueiro como exemplo do desenvolvimentismo nordestino. Obteve 82% dos votos válidos do município no segundo turno. 

A cidade localiza-se no cruzamento entre a BR-232 e a BR-116, um dos mais movimentados da região. Noves fora São Luiz (MA), todas as demais capitais do Nordeste ficam num raio de 600 quilômetros (do Recife, 516 km). Tem pouco mais de 55 mil habitantes e uma área enorme, 1,6 mil km2. Possui um time de futebol, também chamado “Salgueiro”, que acaba de classificar-se para a Série B do campeonato brasileiro.


2054

O ano em que a região pode alcançar o brasil


“A região Nordeste tem a mesma participação no PIB brasileiro que tinha 50 anos atrás” (Ipea/ Boletim Regional Urbano e Ambiental, 2010).

Se o Nordeste conseguir crescer um ponto percentual a mais que o Brasil, por ano, o PIB per capita de ambos será o mesmo em 2054, afirma estudo do BNB de autoria do economista Biágio de Oliveira Mendes Júnior ( “Nordeste: necessidade de investimentos e convergência do PIB per capita”, 2010, Etene). Para que isso aconteça a região precisa receber investimentos superiores a R$ 60 bilhões, reajustáveis ano a ano. Se o investimento for maior (a partir de R$ 66,8 bilhões em 2011), com reajustes anuais, a convergência dos PIBs pode dar-se 27 anos mais cedo - seríamos iguais ao Brasil em 2025.

O problema é o “se”.


Cena comum em toda a região: obras de construção civil. Foto:Juliana Leitão/DP/D.A Press
Na década de 1950 o economista britânico Hans Singer desembarcou aqui para elaborar um estudo sobre o desenvolvimento da região e ficou animado com o que viu. Singer chegou com a credencial de quem havia sido secretário de John Keynes no Acordo de Breton Woods, em 1944, quando se estabeleceu a nova ordem do sistema financeiro mundial. O Nordeste lhe pareceu um meio termo entre a Índia e a Turquia. “Tomando a Turquia por exemplo poderia dizer que os níveis econômicos nas cidades maiores do Nordeste estão bem acima daqueles que se observam neste país”, disse ele.

A renda do Nordeste correspondia então a 49% da média nacional. Para convergir as duas seria necessário triplicar o investimento na região, estimou ele. Se isso acontecesse, em um prazo de 20 anos (ou seja, na década de 1970) aconteceria o equilíbrio entre o Nordeste e o Brasil. O relatório de Singer é o primeiro exercício da convergência de PIBs entre a região e o país. Foi lançado em 1959.

Vem de longe o “se”.

“O PIB per capita é um dos indicadores mais utilizados para se medir o desenvolvimento econômico”, analisa Biágio. “Quanto maior for este indicador e menor for a disparidade desta variável de um país para com suas regiões, diz-se que este país tende a se desenvolver de forma mais equilibrada e equitativa”. Sem a profusão de cálculos e variáveis dos dois anteriores, um outro estudo, do Ipea - divulgado em 13 de dezembro passado - faz previsão de que se for mantido o ritmo atual de crescimento do Nordeste e do Brasil, o PIB per capita da região chegará a 75% do nacional em 2074.

Sempre este “se”.

Como dependem de muitas variáveis, o resultado desses trabalhos não são uma ciência exata. Mas servem para chamar atenção para o problema da desigualdade, considera a economista Tânia Bacelar, especialista em desenvolvimento regional. Permitem relativizar crescimentos de curto prazo e clareiam a visão sobre a situação em que estamos. “O Nordeste tem a mesma participação no PIB brasileiro que tinha 50 anos atrás”, diz outro estudo do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), de abril passado.

O ponto em comum de todos estes trabalhos é o diagnóstico: a redução do desequilíbrio exige investimento maciço nas regiões atrasasas. “Não há solução para o Brasil sem solução para o Nordeste”, sentencia o ex-ministro de Assuntos Estratégicos Mangabeira Unger, que quando estava no cargo elaborou o estudo “O desenvolvimento do Nordeste como projeto nacional” (maio de 2009). “O Nordeste”, diz ele, que é professor na Universidade de Harvard (EUA), “é o maior órfão do modelo de desenvolvimento adotado no Brasil no século 20”. Ele defende que a região apareça como “vanguarda potencial” do desenvolvimento do Brasil”. Se isso acontecer, afirma, as reivindicações pró-Nordeste serão vistas como beneficiadoras de todo o país e não só de uma região específica.

O chato é este “se”, sempre no meio do caminho.


Enquanto isso na europa ...


Maicon Silva Monteiro - “Quando a época chegar, Salgueiro vai estar melhor ainda. Vou ajudar muita gente quando assumir a prefeitura”. Foto:Juliana Leitão/DP/D.A Press
Ao longo das últimas décadas o tema “desigualdade regional” desapareceu da agenda nacional. Durante o período do neoliberalismo chegou a ser vista como “atraso”, assunto que não deveria fazer parte dos governantes sintonizados com as ideias mundiais.

Isso no Brasil, porque na Europa o desequilíbrio regional sempre teve lugar assegurado na agenda pública, mesmo no período áureo da onda liberalizante trazida pela globalização. Na União Europeia, por exemplo, regiões com PIB per capita abaixo de 75% da média nacional são objeto de políticas regionais de desenvolvimento, cobertas por um fundo específico para isso. O PIB per capita do Nordeste fica abaixo de 50% da média nacional. Um fundo semelhante ao europeu foi elaborado para o Nordeste (FNDR, Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional), no atual governo, mas nunca saiu do papel.

O caso mais bem sucedido de política regional nos últimos anos, no continente europeu, é o da reunificação da Alemanha, a partir de 1990. Para equiparar a parte oriental (que era socialista) com a ocidental, faz-se uma transferência líquida anual de 4 a 5% do PIB ocidental, o que em valores de 2009 dava 1,6 bilhão de euros. Todo ano o governo federal divulga um relatório sobre a unificação. Hoje, 20 anos depois, praticamente não existem mais diferenças entre condições de moradia, educação e saúde. A renda no setor oriental fica entre 80% e 85% do ocidental.

“O progresso voltou. E temos motivo para sonhar alto. Quando estas obras estiverem prontas, Salgueiro será não só um dos municípios mais importantes do Nordeste, mas do Brasil”, diz o prefeito Marcones Libório de Sá, do PSB. Seu vice é o Dr. Cacau, do PCdoB. Nas eleições, durante debate na TV Record, Dilma Rousseff citou Salgueiro como exemplo do desenvolvimentismo nordestino. Obteve 82% dos votos válidos do município no segundo turno.

A cidade localiza-se no cruzamento entre a BR-232 e a BR-116, um dos mais movimentados da região. Noves fora São Luiz (MA), todas as demais capitais do Nordeste ficam num raio de 600 quilômetros (do Recife, 516 km). Tem pouco mais de 55 mil habitantes e uma área enorme, 1,6 mil km2. Possui um time de futebol, também chamado “Salgueiro”, que acaba de classificar-se para a Série B do campeonato brasileiro. 



O país nordestino


Operário em fábrica de dormentes de concreto em Salgueiro (PE)
Foto:Juliana Leitão/DP/D.A Press


Para entender o Nordeste é preciso compreender suas contradições e perceber que a região tem pujança econômica apesar da pobreza

O ano em que a região pode alcançar o brasil


No imaginário nacional o Nordeste aparece como uma região de pobres, mas o seu PIB é quase do tamanho do de Portugal e maior que o do Chile. Em compensação, seus indicadores de analfabetismo estão na mesma faixa dos de El Salvador. Quem olha só para o semiárido, vê uma infraestrutura africana; quem se restringe ao litoral delicia-se com o que parece ser uma Cancún abrasileirada. Nos anos 50 o economista Hans Singer viu a região como um meio termo entre a Turquia e a Índia. Nos anos 20 o presidente Epitácio Pessoa a via como um Egito ou Mesopotâmia. O Nordeste sempre teve vocação para comparação com outros países. Em 1982 a autora Heloneida Studart lançou um livro que teve repercussão nacional, China - O Nordeste que deu certo. Hoje, 28 anos depois, é o Nordeste que é a China.

Nos últimos oito anos recebeu um inédito conjunto de obras públicas e privadas. Acabam de ser anunciadas para Pernambuco uma siderúrgica, com investimento previsto de R$ 1,5 milhão, e uma montadora da Fiat, que deve ter investimento de R$ 3 bilhões. Com população de 53 milhões de habitantes, a região tornou-se um cobiçado mercado consumidor. A Sadia implantou fábrica na região e está produzindo uma mortadela adaptada ao gosto dos nordestinos - mais macia, mais vermelha e mais apimentada que a de outras regiões. O Nordeste não é um só, são muitos - por isso é tão comparado com países. Celso Furtado já dizia: “No Nordeste tudo escapa a explicações fáceis”.

Analfabetismo da população de 15 anos ou mais (%), 2008

Fonte: Unesco (Elaboração: Ipea)
Tamanho
O Nordeste tem área de 1,5 milhão de km2 (19,5% do território nacional); 53 milhões de habitantes (27,8% do total do país, segundo o último censo) e 13,1% da renda nacional. Sua área equivale aos territórios da França, Espanha, Alemanha e Suíça, juntos. A população é maior do que as da Argentina e Portugal, reunidas. E o PIB (US$ 232 bilhões) equipara-se à soma dos do Chile (US$ 169 bi) e Luxemburgo (US$ 54 bi).

Sem água e sem emprego
Da área do Nordeste, 63% é semiárido (Sertão). O resto fica assim: 16% cerrado; 11% litoral-mata, e 10% pré-amazônia. O semiárido tem gente demais (é o mais povoado do mundo), água de menos e quase nada de indústria. Lá estão os piores indicadores sociais e econômicos da região. Da mesma forma que se diz que não há solução para o Brasil sem solução para o Nordeste, pode-se dizer que o desenvolvimento do Nordeste é impossível sem uma solução para o semiárido.

Trabalho e Consumo
De janeiro de 2003 a setembro de 2010 o Nordeste foi a segunda região do país em que o nível de emprego mais cresceu: 59,52%, o que representou a criação de cerca de 2,9 milhões de empregos formais (com carteira assinada). A taxa foi superior à média nacional, 51,34%. A região que alcançou o melhor índice foi o Norte, com 76,56%. Há uma tendência simplista no país de considerar que a elevação do consumo na região deve-se exclusivamente ao Bolsa Família. O fato é que isso ocorreu em decorrência de uma série de fatores: a transferência de renda (não só Bolsa Família, mas também outros programas sociais e a Previdência Social), a criação de empregos em massa e o aumento real do salário mínimo. Como 50% dos trabalhadores de carteira assinada no Nordeste recebem um salário mínimo (o maior percentual desse indicador entre todas as regiões), o aumento real desse ganho tem um forte impacto na região. O ganho real do mínimo entre 2005 e 2010 foi de quase 50%.

Projetos de infraestrutura
Quando os grandes projetos de infraestrutura terão efeito no PIB nordestino? Os cálculos são de que, depois de concluídos, isso acontecerá num período de cinco a 10 anos. O governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), avalia que o PIB do estado vai dobrar nesse período. Atualmente é de R$ 70,4 bilhões, equivalente a 2,3% do PIB nacional. O estado sedia o empreendimento que melhor encarna o ciclo de expansão do Nordeste: o Complexo Portuário Industrial de Suape. Lá estão o Estaleiro (que marca a retomada da indústria naval brasileira, e já está em funcionamento), a refinaria Abreu e Lima (em obras) e mais 138 indústrias. A montadora da Fiat e a siderúrgica também farão parte do Complexo, e 25 outras empresas estão em negociação para instalar-se lá. Suape foi criado em 1979. Até 2006 tinha 81 indústrias. Hoje são 140. O futuro ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho, era presidente do Complexo, função que acumulava com a de secretário de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco.

Mandando dinheiro para o Sudeste
Quando a renda criada numa região não fica nesta mesma região diz-se
que há “vazamento”. Uma das formas do vazamento dá-se por meio do déficit comercial com o Sudeste. Um exemplo: em 2004 o Nordeste teve um superávit comercial de R$ 11,3 bilhões com o comércio exterior, mas um déficit de R$ 34,8 bilhões no comércio com as regiões desenvolvidas do Brasil. Resultado final: déficit de R$ 23,5 bilhões, valor que na época era equivalente a 9,5% do PIB nordestino. É um problema antigo; Celso Furtado o chamava de “operação triangular”, em que a região menos desenvolvida sempre sai perdendo. Repete-se ano após ano, como mostra o estudo “Entraves ao Desenvolvimento Regional: uma análise a partir dos fluxos comerciais da região Nordeste do Brasil”, de autoria dos economistas Antonio de Castro Queiroz Serra e Otávio Augusto Miranda (Fortaleza, 2009). É uma conta reveladora de que, assim como acontecia nos anos 60, o Nordeste permanece vazando renda para o crescimento do Sudeste (na medida em que compra bens e serviços de lá). O que, de outro lado, gera a reivindicação do Nordeste de que a União precisa compensar o déficit com transferências para a região.



É um trem? Não! É o Lagarta Verde


Carroceiros observam passagem do metrô, no Crato
Foto: Juliana Leitão/DP/D.A Press
Experiência do Metrô do Cariri inspira outras cidades nordestinas e é a última moda em transporte ferroviário

O ano em que a região pode alcançar o brasil



Trajeto dura 40 minutos e passa por dentro do Juazeiro e Crato. Fábrica fica em Barbalha (ao lado).Foto:Juliana Leitão/DP/D.A Press
Seu João Pereira da Silva aperta as rédeas do jumento da carroça, para evitar o risco de o bicho avançar sobre os trilhos. Dona Julieta Cordeiro Francisca de Carvalho apressa o passo no que para a idade dela (58 anos) é quase a mesma coisa que correr. Quer chegar a tempo de pagar a passagem, passar a catraca e escolher o melhor lugar para sentar – junto da janela, do lado que não pega sol. Seu Antônio João já está dentro da estação, já pagou a passagem e não tem pressa. Daqui a pouco ele vai percorrer cerca de 13 quilômetros do jeito que mais gosta. “Na frescurinha, daqui até lá”, explica, referindo-se ao ar condicionado dos vagões.

Estamos no Crato (CE), e o que motivou a prudência de João Pereira, a pressa de dona Julieta e o desejo da frescurinha de Antônio foi o Metrô do Cariri. Liga os municípios do Crato e do Juazeiro do Norte, por superfície, num percurso de 13,6 quilômetros de extensão. Foi inaugurado em 1º de dezembro de 2009 e logo tornou-se a grande novidade da região. É objeto de desejo de municípios vizinhos, como Barbalha, que quer a ampliação do metrô até lá, fechando o circuito conhecido na região como Crajubar – Crato, Juazeiro e Barbalha, separados um do outro por menos de 10 quilômetros. Juntos, os três têm 424 mil habitantes. O PIB per capita de Barbalha e do Crato (R$ 5,5 mil, cada um) está abaixo da média nordestina, R$ 7,4 mil. O do Juazeiro é superior: R$ 8 mil. As três cidades estão a cerca de 400 km da capital Fortaleza.


Foto:Juliana Leitão/DP/D.A Press
O Metrô do Cariri mexeu com os hábitos do Crato e Juazeiro. Ganhou até apelido, daqueles autênticos, típicos da antropofagia nordestina de renomear com denominações familiares o que chega de fora: Lagarta Verde. Precedido do artigo masculino, para deixar a coisa ainda mais autêntica: o Lagarta Verde. Transporta cerca de 1.200 pessoas por dia. Está longe da superlotação: a capacidade é para 15 mil/dia. Enquanto isso dá para viajar sentado, escolhendo o lado do sol e usufruindo do ar condicionado. A passagem é R$ 1 – mais barata que nas mototáxis (R$ 10) e nas lotações (R$ 1,30). Sem falar que nestes não tem frescurinha.

O Lagarta Verde utiliza uma linha antiga da Rede Ferroviária, que estava fora de uso. Impossível ficar indiferente à passagem dele: o condutor aciona a buzina quando passa em cruzamentos. Nas viagens que fizemos nos ficou a impressão de que ou o condutor gosta de anunciar que está passando ou há muito mais cruzamentos entre Juazeiro e Crato do que imagina a nossa vã observação.

O sistema tem oito estações; a nona está prevista para ser implantada em 2011, ano também em que deve ocorrer a integração com ônibus intermunicipais. A previsão é do governo do Ceará, responsável pelo projeto. Os trens são os chamados VLTs (Veículos Leves sobre Trilhos), fabricados lá mesmo, em Barbalha, pela Indústria Bom Sinal, que já tem encomendas para capitais do Nordeste e para Macaé (RJ). É a última moda em transporte ferroviário, barato e de menor impacto ambiental.

Quem sugeriu ao repórter ver a experiência do Metrô do Cariri foi um professor habituado a descer na estação Saint-Michel, do metrô de Paris – Marcos Costa Lima (UFPE), especialista em desenvolvimento regional. “Eu fui dar uma palestra na Universidade do Crato e vi”, conta ele. “É um exemplo de solução local, das muitas que existem no Nordeste. O que precisamos agora é de uma visão de totalidade, para melhor aproveitar as soluções”.



30 presidentes e duas verdades incômodas


Fotos: Juliana Leitão/DP/D.A Press
Levantamento mostra que região tem mais apoio quando presidente é do Nordeste, Minas Gerais ou Rio Grande do Sul

A primeira verdade é que ao longo de 121 anos de República os projetos mais importantes para o Nordeste só aconteceram após grandes secas e quando havia um nordestino na presidência ou ocupando cargo muito importante no governo federal. O primeiro – e único – autor a perceber isso foi um economista de reputação internacional Albert Hirschman, nos anos 60. Elaborou até uma tabela, comprovando sua tese (veja ao lado), publicada em livro originalmente lançado nos Estados Unidos, em 1963, Journeys toward progress. A gestão do presidente Lula corrobora a tese de Hirschman. A segunda verdade é que nas poucas vezes em que o Nordeste teve atenção prioritária do governo federal, o presidente era nordestino, gaúcho ou mineiro. Nunca de São Paulo. O primeiro foi o paraibano Epitácio Pessoa (1919-1922), que deflagrou uma série de obras na região só comparável a do governo Lula atualmente. Não chegou a concluí-las; seu sucessor, Artur Bernardes, paralisou todas, para equilibrar a economia do país. Os outros presidentes em cujo mandato o Nordeste se saiu bem foram Getúlio Vargas (gaúcho), Juscelino Kubitschek (mineiro), João Goulart (gaúcho) e Lula (pernambucano).

O primeiro nordestino a ser eleito presidente foi Epitácio Pessoa, paraibano de Umbuzeiro. Ele destinou 15% das receitas da União para cá e transformou a região num canteiro de obras: barragens, rodovias, ferrovias e melhoramentos em três portos. Tudo iniciado quase simultaneamente. Por que tão grande impulso para uma região e por que a simultaneidade das obras? Passemos a palavra a Hirschman novamente: “Entre outras, a resposta é a de que, como decorreria muito tempo antes que um outro nordestino retornasse ao Palácio do Catete [sede do governo federal na época], Epitácio estava disposto a dar início ao maior número possível de projetos, e se possível terminá-los, durante o seu mandato”. Hirschman nasceu na Alemanha e naturalizou-se americano. É hoje um escritor consagrado, autor de livros como A retórica da intransigência (1992), obra que durante o governo Fernando Henrique (1995-2002) foi uma espécie de leitura de cabeceira dos tucanos.


O ano em que a região pode alcançar o Brasil



1919-1922
Epitácio Pessoa: 11º presidente. O que mais investiu na região no século 20. Investimentos alcançaram 15% da receita total do país, um nível jamais atingido até hoje 


1930-1945/1951-1954
Getúlio Vargas: Criação do BNB, em 1952, marca início de política de desenvolvimento regional para o país. O 1º presidente, Rômulo Almeida, era assessor especial dele. O paraibano José Américo foi ministro das Obras Públicas


1956-1961
JK: Começa um novo ciclo para o Nordeste, que se estende até o governo seguinte, de João Goulart. Surge a Sudene, em 1959, comandada pelo paraibano Celso Furtado, que elaborou a primeira análise teórica da desigualdade regional no Brasil 


1961-1964
João Goulart: Período de agitação política e social. Nos EUA, em pronunciamento no dia 14 de julho de 1961, o presidente Kennedy diz: “Nenhuma área tem maior e mais urgente necessidade de atenção que o vasto Nordeste do Brasil” 


1964-1985
Regime militar: “O Brasil é uma nação e a proposta do governo é desenvolver todas as regiões, e não apenas esta ou aquela”, diz o ministro Delfim Netto para governadores nordestinos, em 28 de julho de 1970 


1985-1990
José Sarney : Constituinte cria fundos para desenvolvimento das regiões. Combater desigualdade regional torna-se princípio constitucional (artigo 3º) 


1990-1992
Fernando Collor: Nasceu no Rio. Governou Alagoas antes de eleger-se presidente.Sofreu impeachment 


1995-2002
FHC: Fechamento da Sudene em 2001. “Fernando Henrique ignorou o Nordeste”, diz economista Gustavo Maia Gomes, que no governo dele ocupou a diretoria de estudos regionais do Ipea


2003-2010
Lula: Crescimento supera o do Brasil e é marcado por investimentos públicos, empreendimentos privados e distribuição de renda. Houve redução da pobreza e um aumento inédito de consumo 


2011-2015
* A conferir nos próximos anos



















APLs ou como dar nó em pingo d’água


Fotos: Juliana Leitão/DP/D.A Press
Povoado do Sertão cearense, Pingo D’água é modelo de programa alternativo para interiorização do desenvolvimento

Equando a cidade é pobre, fica longe e não tem atrativos para sediar grandes indústrias ou grandes obras, o que é que faz?

Faz o que Pingo D’água fez. É um povoado do município de Quixeramobim, no Vale da Forquilha, Sertão cearense, a 225 km de Fortaleza. A produção agrícola do povoado ocupava área de 2,5 hectares e destinava-se apenas à subsistência dos seus moradores em 2001. No ano seguinte a área chegou a 12,5 hectares e em 2003 pulou para 42,5 hectares. Agora estão produzindo mamão, maracujá, melão, pimenta e tomate. Em 2005 a receita deles foi R$ 209 mil – um recorde para uma típica comunidade de economia invisível, aquela cujo dinheiro é proveniente de aposentadorias e Bolsa Família. O que fez a diferença em Pingo D’água foi um instrumento que virou a nova aposta para a interiorização do desenvolvimento – os APLs, sigla para Arranjo Produtivo Local. É a união de vários micros, médios e pequenos empreendedores para atuar em conjunto, desfrutando coletivamente dos benefícios que isso traz. Um produtor de mel em Picos (PI) ou um agricultor em Pingo D’água (CE), sozinho, não tem como adquirir tecnologia, contrair empréstimos em bancos ou ter produção com qualidade e quantidade suficientes para exportar – mas, dezenas deles, unidos, e com apoio oficial, podem. Foi o que fizeram os agricultores do povoado cearense.

O conceito de APL já existe na Europa, particularmente na Itália, mas é novo no Brasil. Surgiu nos anos 80, mas expandiu-se a ponto de ser incorporado pelo governo federal a partir de 2004, quando foi incluído no Plano Plurianual (PPA), tornando-se também parte da política industrial do país. Parece o tipo de coisa feito sob encomenda para os pequenos municípios do Nordeste.

Quem percorre a região constata que o terreno está fértil para esse tipo de ação – por mais pobres que sejam as cidades, nelas sempre há gente com micros ou pequenas produções. No Brasil há cerca de mil APLs, a maioria no Nordeste. E em diversos estágios de desenvolvimento – existem aqueles que exportam para o exterior. É o caso do APL do Mel em Picos (330 km de Teresina, PI). Em novembro último o seu carro-chefe, a Central de Cooperativas Apícolas do Semiárido Brasileiro, Casa Apis, sediada no município, conseguiu o certificado de Fair Trade (comércio justo) – é um cobiçado certificado internacional. Em todo o Nordeste a exportação de mel chegou a US 2,52 milhões. O Piauí é o segundo exportador nacional; o primeiro é São Paulo.

A produção de mel começou como uma atividade complementar à renda dos agricultores na região de Picos. Hoje tornou-se a principal atividade para muitos deles. Como seu Antônio José de Moura, de Santana do Piauí (a 10 km de Picos). “Tenho uma filha estudando administração em Picos e outra fazendo Direito em João Pessoa. Devo isso ao mel”, conta ele. “Nas primeiras reuniões o pessoal chegava de jumento ou a pé. Hoje chegam de carro e moto”, relembra Antônio Leopoldino Dantas, diretor da Casa Apis.


Em São Bento, problema é a china



Feira livre em São Bento (PB): cidade orgulha-se de ser “capital mundial da rede". Fotos:Juliana Leitão/DP/D.A Press
Em São Bento (PB) há um outro APL de sucesso. É de produção de redes – a cidade orgulha-se de ser a capital nacional das redes. Produz 12 milhões de unidades por ano. Tem cerca de 70 empresas formais, e 300 informais. Não há desemprego em São Bento; 80% dos trabalhadores estão na indústria e comércio de redes. Diferentemente do que aconteceu em Pingo D’água, em São Bento o negócio de rede não foi criado como APL. Já existe desde 1910. A organização como Arranjo Produtivo Local é recente.

“O problema que estamos enfrentando agora é a entrada do fio da China, que joga os preços lá pra baixo”, afirma um dos produtores informais, Mário Costa da Silva. A cidade fica a 385 quilômetros de João Pessoa. O PIB per capita - R$ 4.568,26 - equivale a 61% da média do Nordeste. A única loja de venda de motocicletas do município, de marca Honda, tem indicadores que mostram o poder de consumo local: em média, a cada dia são vendidas quatro motos na cidade. À noite a diversão de jovens e adultos é circular de motos na Praça do Redeiro, a principal de São Bento. São tantas motos que há engarrafamento. E o barulho parece abertura de corrida de Fórmula 1 narrada por Galvão Bueno: ouve-se um constante roncar dos motores. O único cuidado que o visitante deve ter é na hora de tirar fotos: as pessoas não gostam. Como muitos dirigem sem capacete, são menores de idade e carregam até duas pessoas na garupa, temem que você seja fiscal do trânsito.

O grande destaque do comércio local é a feira livre, que tem nome próprio: Feira da Pedra, assim designada porque as pessoas estendem os produtos no chão (“na pedra”). “Aqui vem gente do Nordeste todo, comprar e vender. Ninguém deixa de vender e ninguém deixa de comprar”, conta um dos feirantes, Francisco Damião.

Não é preciso ir em São Bento para conhecer as redes de lá. Se o leitor já viu um camarada com um monte de redes nas costas, batendo de porta em porta, provavelmente elas vieram da cidade paraibana. O comércio tem um personagem típico, chamado de “corretor”: são comerciantes que compram as redes no atacado, põem no carro e saem vendendo Brasil afora. Na viagem encontramos “corretores” de São Bento em cinco estados.



O aquecimento já começou. E vai piorar.

Chico da Breia, no que restou de sua plantação de milho, em Riachão (PB): “Perdi tudo”
Fotos:Juliana Leitão/DP/D.A Press
Temperaturas vão aumentar no Nordeste, a ponto de tornar algumas áreas inabitáveis e prejudicar o crescimento de toda a região

Chico da Breia, do sítio Quixaba, olha para sua plantação de milho e lamenta: “Perdi tudo. Nenhuma espiga. Um desmantelo. Não aproveitamos nada”. Francisco Pereira da Silva, que todos os vizinhos conhecem como Chico da Breia, é agricultor em Riachão, município de pouco mais de 3.500 habitantes, no semiárido paraibano, a 110 km de João Pessoa. A plantação dele virou um campo amarelo, de milho seco, um cemitério de espigas mortas antes de desabrochar. “O ano passado foi ruim. Mas esse de agora foi ainda pior”, diz ele. Riachão, apesar do nome, sofre com a escassez de água. É uma das três cidades do Brasil que mais serão prejudicadas pelo aquecimento global, segundo o estudo “Mudanças climáticas, migrações e saúde: cenários para o Nordeste brasileiro – 2000 – 2050”, do Cedeplar (Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, MG) e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). As duas outras cidades da lista também são do semiárido nordestino: Itapororoca (PB) e Orós (CE). Em todas houve perda da safra. E foram vítimas do que diz o estudo: chuvas intensas de uma vez só, que prejudicam a plantação, e escassez nos meses seguintes, que mata o que que restou.

“Mudanças climáticas, migrações e saúde” reúne entre seus colaboradores uma dezena dos principais especialistas nos efeitos do aquecimento, como os doutores Alisson Barbieri e Ulisses Confalonieri, conselheiros do Brasil do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). As previsões que faz são assustadoras – se confirmadas, sem que nada seja feito para evitá-las, podem aumentar o fosso existente entre a região e o Brasil.

“O Nordeste deve ser uma das regiões mais afetadas pelas mudanças climáticas no Brasil”, sentencia o estudo. O semiárido tende a transformar-se “em um ambiente semelhante a um deserto: mais seco, com solos mais pobres, vegetação com menor diversidade biológica e alguns lugares inabitáveis”. No geral a região deve sofrer “queda na taxa de crescimento do PIB, maior incidência e suscetibilidade a doenças, maiores gastos com saúde, redução da qualidade de vida e migração”. Os casos de dengue aumentarão. E também os de leishmaniose e malária, uma vez que invernos mais quentes favorece a reprodução de insetos transmissores dessas doenças.

Em relação ao crescimento econômico,“as mudanças climáticas podem provocar uma redução média de 11,4% do PIB do Nordeste até 2050”. Já o PIB per capita crescerá 12% menos do que cresceria se não houvesse o aquecimento. E o consumo terá queda de 5,2%.

Outro estudo, do Ipea, endossa as previsões. “Os piores efeitos da mudança do clima recairão sobre as regiões Norte e Nordeste, as mais pobres do Brasil”, afirma o trabalho. “E o custo da inação será o aprofundamento das desigualdades regionais e de renda no futuro”.

A produção de mel começou como uma atividade complementar à renda dos agricultores na região de Picos. Hoje tornou-se a principal atividade para muitos deles. Como seu Antônio José de Moura, de Santana do Piauí (a 10 km de Picos). “Tenho uma filha estudando administração em Picos e outra fazendo Direito em João Pessoa. Devo isso ao mel”, conta ele. “Nas primeiras reuniões o pessoal chegava de jumento ou a pé. Hoje chegam de carro e moto”, relembra Antônio Leopoldino Dantas, diretor da Casa Apis.


“Chuva cai toda num dia só” 


O pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e meteorologista Carlos Nobre aponta os dois cenários para o Nordeste, com o aquecimento: no primeiro, que seria o “cenário pessimista”, a região ficará 2° a 4°C mais quente, além de as chuvas sofrerem uma redução de 15% a 20%; no segundo, o “otimista”, a temperatura será elevada de 1° a 3°C. Nos últimos 40 anos a temperatura no mundo aumentou 0,4°C. A previsão do IPCC é que, numa projeção otimista, o aumento médio da temperatura mundial seria de 1,8°C até o ano 2.100.

Carlos Nobre tem uma recomendação para agricultores como Chico da Breia, em Riachão, José de Arimateia, em Itapororoca, e Manuel da Silva Santos, em Orós, que perderam tudo: plantar milho será o pior negócio possível para eles. Isso porque nesses locais a chuva de um ano todo vai cair num dia só – e o milho precisa de chuvas regulares para florescer. O que o pesquisador diz já está acontecendo nos três municípios. “A chuva cai toda num dia só, e aí depois é só estiagem, estiagem, estiagem”, conta Chico da Breia. No futuro esse tipo de agricultura vai desaparecer do semiárido, segundo Nobre.

O que tem evitado uma situação de calamidade é o Garantia Safra – um seguro para os agricultores que perderam a safra. Faz parte do Pronaf (Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar). Vale para as culturas de algodão, arroz, feijão, mandioca e milho. Na safra 2009-2010 beneficiou 393,8 mil agricultores. Cada um teve direito a receber quatro parcelas de R$ 150.



Crédito para os pobres


Fotos: Juliana Leitão/DP/D.A Press
Onde o progresso ainda não chegou: sistema de empréstimos sem burocracia estimula população a montar o próprio negócio

O Nordeste tem uma experiência de crédito popular que pode servir de modelo para o país inteiro: o Crediamigo, do BNB. Quem garante é Marcelo Neri, economista-chefe do Centro de Políticas Sociais e professor da Fundação Getúlio Vargas (DF). “Assim como o Bolsa Família é o melhor programa de renda do Brasil, o Crediamigo é o melhor programa de microcrédito do Brasil”, compara ele. “É uma ‘jóia da Coroa’. Atende a população de renda mais baixa e alavanca o consumo”. A grande experiência mundial nesta atividade é a do banqueiro indiano Muhammad Yunus, do Grammen Bank, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 2006. Mas quem quer conhecer como funciona o crédito para pobres não precisa sair do Brasil, diz Neri: “O Crediamigo é o Grammen Bank brasileiro”.

O programa é praticamente desconhecido fora da região, mas está no mesmo nível das melhores “iniciativas internacionais”, afirma o economista, autor do “Estudo do Perfil Sócio-Econômico dos Clientes do Crediamigo do BNB”.

Funciona como uma “porta de saída” para os egressos do Bolsa Família. E tem capacidade também para impulsionar os microeempreendedores dos APLs (Arranjos Produtivos Locais).

Os empréstimos são liberados em no máximo sete dias depois de solicitados. Os valores iniciais variam de R$ 100 a R$ 6.000. Podem chegar a R$ 15 mil, dependendo “da capacidade de pagamento e estrutura do negócio”, informa o banco. Para fazer o cadastro é necessário apenas CPF, documento de identificação com foto e comprovante de residência atual. Se aprovado, o cliente recebe orientação sobre a melhor forma de aproveitar os recursos e o banco abre para ele uma conta corrente. A facilidade de acesso é um dos pontos destacados por Neri para o sucesso do programa. A taxa de inadimplência é de 1%.

O Crediamigo foi exportado para o Rio de Janeiro em 2009. Lá existem seis unidades do programa – uma delas na favela da Rocinha. São cinco na capital e uma em Macaé.


Entrevista >>

Cícero Péricles de Carvalho
 - Economista (Ufal)

Qual a sua expectativa para o novo governo? 
A proposta politicamente mais forte anunciada pelo Governo Dilma é a de combater a pobreza extrema. Nada mais importante para o Nordeste. O problema regional nordestino persiste, apesar dos avanços econômicos e sociais das últimas décadas. Não é à toa que, num conjunto de 16,1 milhões de famílias vivendo no Nordeste, 6,5 milhões de famílias recebam dinheiro do programa Bolsa Família e 7,5 milhões sejam beneficiários da Previdência Social. Há uma clara percepção entre os dirigentes nacionais que o Brasil não poderá avançar econômica e socialmente sem que o Nordeste se desenvolva mais rápido que as demais regiões. Deste modo, seguramente a região nordestina continuará recebendo um tratamento especial do governo federal.

Que elementos deveriam constar, minimamente, numa política de desenvolvimento do Nordeste?
Se levarmos em conta que os problemas centrais da economia nordestina – pobreza, desigualdades de renda e indicadores sociais negativos, aliados à carência de infraestrutura e frágil setor financeiro – formam um conjunto já diagnosticado e conhecido, a política ideal é aquela que combine os diversos instrumentos capazes de superar os problemas que travam o desenvolvimento regional. A resposta para a criação de mais riquezas virá da combinação de investimentos em infraestrutura com a ampliação de recursos para financiamento às empresas, tanto as instaladas como as que querem se instalar. Essa seria uma resposta parcial. Pelos indicadores regionais apresentados, o Nordeste necessita ampliar os recursos na área social, combinando mais as políticas permanentes, como educação e saúde, e os programas de transferências de renda, permitindo à região elevar seus índices de desenvolvimento humano e alcançar a média nacional.

O crescimento atual do Nordeste é sustentável ou vai depender de quem esteja no governo?
Esse modelo de desenvolvimento social que impulsiona a economia regional deverá ser mantido nos próximos anos. As políticas e os programas, que têm mudado a paisagem social e causado forte impacto na economia local, estão inscritos em forma de lei, a exemplo do SUS e o Fundeb, políticas que têm mais peso no Nordeste que em outras regiões. Num governo futuro, a previdência social ou o programa Bolsa família poderão ser calibrados para mais ou menos, mas não podem ser abolidos. A recuperação do salário mínimo demonstrou ser uma política de desenvolvimento muito forte para ser abandonada sem muitas explicações.

O crescimento econômico sozinho é incapaz de reduzir as desigualdades regionais? 
Dada as imensas diferenças regionais construídas ao longo de décadas, mesmo com taxas positivas, o Nordeste não alcançará tão cedo uma participação relativa equivalente a de sua população na economia brasileira. Mas esse não parece ser o problema central da economia nordestina, e sim sua pobreza combinada às conhecidas desigualdades de renda, que limita o tamanho do mercado consumidor e o volume dos investimentos. Na década atual, o Nordeste , com 80% da população urbanizada, atravessa uma fase de crescimento que já gerou três milhões de novos empregos formais, e, beneficiado pelos recursos sociais, assiste uma explosão de consumo sustentado pelos segmentos de baixa renda que dinamizam os setores relacionados a este consumo: o comércio no varejo e a indústria de bens populares. Neste novo cenário, a pobreza e a miséria vêm diminuindo, abrindo espaços para que Nordeste cresça mais rápido, aproximando-se da média nacional.



Lula e FHC, a comparação


Fotos: Carlos Teixeira/DP /d.a press 


Sertão de Pernambuco: o presidente Lula com populares , 

em 13 de dezembro passado, e FHC em Petrolina (1997)
Tucano controlou a inflação e montou bases da política social;
Lula fez opção pelo NE
.

Durante o governo Lula o Nordeste teve o dobro do crescimento que obteve no governo Fernando Henrique Cardoso. A diferença ainda pode aumentar, porque os dados oficiais disponíveis são apenas dos seis primeiros anos da gestão Lula, de 2003 a 2008. Nesse período o Nordeste cresceu 31,5%, sendo 3,6 pontos percentuais a mais que o Brasil. Já no governo FHC a região cresceu 15,5%, superando o país em apenas 0,4 ponto percentual. Os dados são do IBGE.

Ações nacionais do governo FHC tiveram repercussão favorável no Nordeste, como a estabilização econômica; a Lei de Responsabilidade Fiscal, que impediu a gastança das prefeituras, e a expansão das políticas sociais. Mas na comparação em relação ao Nordeste os dados lhe são extremamente desfavoráveis. “O governo Fernando Henrique ignorou o Nordeste”, afirma um ex-integrante da gestão dele, o economista Gustavo Maia Gomes (veja entrevista ao lado). O governo dele ficou associado na região à extinção da Sudene, em 2001, medida que, a julgar pelo que aconteceu anos depois, o próprio PSDB desaprovou. O candidato tucano a presidente em 2006, Geraldo Alckmin, prometeu recriar a autarquia, e José Serra, agora em 2010, disse que se eleito acumularia durante seis meses a Presidência da República e a superintendência da Sudene. É consenso que ao sucedê-lo Lula encontrou uma inflação baixa e controlada e as bases da política social montadas, o que facilitou os trabalhos. Mas nada havia, especificamente, em relação ao regional.

Os principais diferenciais do governo Lula para o de FHC, no Nordeste, foram:
1) as obras direcionadas para a região: transposição do São Francisco, Ferrovia Transnordestina, refinarias e siderúrgicas (na gestão de Fernando Henrique não houve nenhuma obra nessas dimensões para a região);

2) ampliação dos recursos para programas sociais. O Bolsa Família é um programa nacional, mas como aqui vivem 50% dos pobres, que são beneficiados, acaba transformando-se em um programa de distribuição regional de renda. O governo FHC tinha programa de transferência de renda, mas os valores eram menores: “O conjunto de bolsas dele somava R$ 2 bilhões, mas no governo Lula isso foi multiplicado por cinco”, diz a economista Tânia Bacelar.

3) no governo Lula o Nordeste liderou percentualmente a criação de emprego formal no país. De 2003 a 2009 cresceu 5,9% ao ano, mais do que o Brasil (5,4%) e o Sudeste (5,2%). O aumento real do salário mínimo também impactou positivamente a região, porque o Nordeste tem metade dos que ganham salário mínimo;

4) a criação de empregos, o aumento do mínimo e o Bolsa Família expandiram o consumo na região. De 2003 a 2009 o Nordeste - juntamente com o Norte - esteve na dianteira das vendas do comércio varejista do Brasil. Com a explosão do consumo vieram os empreendimentos privados, como indústria de alimentação e bebidas (Sadia e Perdigão, em Pernambuco), supermercados e grandes magazines. O crescimento do Nordeste teve a singularidade da distribuição de renda e pela primeira vez na história é sustentado também por obras da iniciativa privada, explica Tânia Bacelar.

5) os investimentos em agricultura familiar aumentaram: os do Pronaf (Programa de Apoio à Agricultura Familiar) são seis vezes maiores no governo Lula do que no de FHC. Outros programas foram criados para a área, como o de Aquisição de Alimentos, que compra diretamente a produção dos agricultores. 50% dos estabelecimentos de agricultura familiar estão no Nordeste.


Principais empreendimentos 


Transposição do Rio São Francisco
Vai beneficiar 12 milhões de pessoas, no interior de quatro estados: Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Obra de R$ 6 bilhões, iniciada em 2006. Previsão do Ministério da Integração Nacional é que a inauguração da primeira parte, o Eixo Leste, aconteça em junho de 2011, e a segunda, o Eixo Norte, em dezembro de 2012. Quando prontas, previsão é que atenda 390 municípios, ajudando a dinamizar a economia deles

Transnordestina
Obra de R$ 5,4 bilhões. Atinge 81 municípios nos estados de Pernambuco, Piauí e Ceará. Assim como a Transposição, foi iniciada em 2006 e passou igualmente por atrasos em sua execução (causados por exigência de licenciamentos ambientais, desapropriações e liberação de recursos). Já tem 18 lotes em operação e no último dia 13 o presidente Lula assinou contrato para a instalação de outros 10. A mais recente previsão da Transnordestina Logística (TLSA), empresa encarregada da obra, é que sua inauguração aconteça no primeiro semestre de 2012. A ferrovia tem extensão de 1.728 km e liga o município de Eliseu Martins (PI) aos portos de Suape (PE) e Pecém (CE). Ao longo de sua extensão pode tornar-se um “vetor de desenvolvimento” para municípios da região, conforme avaliação do Ministério da Integração Nacional

Refinarias
Construção de novas no Maranhão, Ceará, Pernambuco. Ampliação da refinaria Clara Camaleão, no Rio Grande do Norte, e da Landulpho Alves, na Bahia

Estaleiro
Em Pernambuco. Já fez o primeiro navio

Siderúrgica
Ceará e Pernambuco

Duplicação da BR-101
Obras iniciais foram em Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Trabalhos agora estão sendo ampliados para AL e SE

Investimentos privados
De 2005 até agora cerca de duas mil empresas instalaram-se na região, Segundo a economista Tânia Bacelar, esta é primeira vez na história que um ciclo de crescimento no Nordeste é também “ancorado no investimento da iniciativa privada”. Existem na região 23 polos de desenvolvimento industrial e agrícolas, como o de Suape (PE), onde estão o Estaleiro e a Refinaria Abreu e Lima. Problema é de déficit de trabalhador qualificado



"FHC ignorou o nordeste"
O economista Gustavo Maia Gomes é autor de um livro já clássico sobre o Nordeste, Velhas secas em novos sertões (Ipea, 2001). Tem doutorado na universidade de Illinois (EUA), é professor da UFPE e comandou a diretoria de estudos regionais do Ipea no governo Fernando Henrique. Sobre o tratamento dado à região ele não tem meias palavras: “O governo Fernando Henrique ignorou o Nordeste. É incontestável que nesse período o Nordeste foi tratado com indiferença”.

A diferença de tratamento da região, nos dois governos, explica a baixa votação que os candidatos do PSDB à presidência tiveram no Nordeste e a grande votação dos candidatos de Lula, entende Gustavo Maia Gomes.

Ele adverte que na comparação entre as duas gestões é preciso levar em conta “a conjuntura internacional favorável”, no governo Lula, e o fato de este ter encontrado uma situação nacionalmente estabilizada. “No governo Fernando Henrique houve necessidade de fazer ajustes, e isso dificulta as coisas”, diz ele, fazendo uma ressalva: “Mas também aí é preciso reconhecer os méritos do governo Lula, porque ele soube aproveitar o ajustamento e a conjuntura internacional favorável. Poderia ter tido tudo isso e não aproveitado, mas ele aproveitou”.



Economista Gustavo Maia. Foto: Cecilia de Sa Pereira/ Esp. DP/ D.A Press



Crescimento acumulado 
Crescimento superior ao do Brasil (%)
FHC (1995-2002)    Lula (até 2008)

Nordeste:      15,5       31,5
Sudeste: 
      10,5     27,3
Sul:               
19,4      21,2
C.Oeste: 
      29,3      34,0
Norte: 
        30,1      39,8
Brasil: 
         14,9      27,9


Seis cidades concentram
25% do PIB do brasil (%)


De cada R$ 100 reais produzidos no Brasil, R$ 25 são destas seis cidades. São Paulo, a capital, tem uma participação no PIB nacional (11,8%) quase idêntica a da região Nordeste inteira (13,1%). Na parte de baixo da tabela, um dado revelador da concentração: 1313 municípios do resto do país produzem apenas 1% do PIB nacional 


1,3 - Manaus
1,4 - BH
1,4 - Curitiba
3,9 - Brasília
5,1 - Rio de Janeiro
11,8 - São Paulo 



As cidades mais pobres


O PIB dos cinco municípios, reunidos,
representa cerca de 0,001% do total do Brasil

1ª) Areia de Baraúna (PB) - a
2ª) São Luís do Piauí (PI) - b
3ª) São Félix do Tocantins (TO) - c
4ª) Santo Antônio dos Milagres (PI) - d
5ª) São Miguel da Baixa Grande (PI) - e


Fonte: IBGE/PIB dos municípios 2004-2008



O voto do NE
cada vez mais decisivo




Fotos: Juliana Leitão/DP/D.A PresRobson Marques, em Sousa (PB), e Zacarias Nunes, em Juazeiro do Norte (CE): apoio a Lula é proveniente da sensação de que ele deu atenção ao NE


Votação em massa do eleitor nordestino em candidatos apoiados por Lula altera mapa eleitoral e impõe desafio ao PSDB, que precisa desenvolver projeto para a região


Avotação no Nordeste está se distanciando da média nacional. Nas eleições presidenciais de 1989, 1994, 1998 e 2002, o percentual de votos que o candidato eleito obteve na região foi semelhante ao que recebeu no país como um todo. Mas a partir de 2006 começou uma escalada em que o eleito tem entre os nordestinos uma votação de mais de 15 pontos percentuais acima da que teve no Brasil - uma diferença inédita no quadro eleitoral brasileiro.

Agora em 2010 Dilma Rousseff venceu no Brasil, em segundo turno, com 56% dos votos. No Nordeste seu percentual ficou 14 pontos percentuais acima: 70,5%. No pleito de 2006, quando teve início a tendência, Lula elegeu-se com 60,8% dos votos, mas entre os nordestinos sua votação atingiu 76,8% - 16 pontos percentuais a mais. Trata-se de uma diferença decisiva para o candidato beneficiado e de impacto profundo na política brasileira: no quadro de hoje significa que o PT larga na frente na disputa pela presidência e que a oposição precisa formular um plano para buscar os votos da região.

“Na primeira vitória de Lula ainda havia desconfianças sobre o que seria o seu governo. Mas em seu segundo mandato ele consolidou sua imagem e a eleição de Dilma foi uma opção pela continuidade da gestão dele”, explica o cientista político Marcos Costa Lima. Não há sinal de que a tendência se modifique profundamente para a próxima eleição presidencial e na “refundação” que o PSDB cogita fazer é imprescindível elaborar um plano para o Nordeste, diz Marcos.

O apoio que o Nordeste dá hoje a Lula não tem semelhança com o que a região deu aos candidatos da Arena e PDS durante o regime militar. Naquela época, compara o cientista político, havia censura à imprensa, repressão, ausência de eleição para governador e prefeito de capitais e casuísmos pró-candidatos do regime - e mesmo assim muitas vezes os oposicionistas saíram vitoriosos em diversas eleições na região, como no pleito de 1974.

A esmagadora opção pró-Lula das últimas eleições seria devido ao fato de que a região sente-se, pela primeira vez, alvo prioritário de um governo - sem falar na influência que a figura carismática do presidente tem sobre as populações pobres. Teve peso também o efeito do Bolsa Família, que extinguiu a intermediação dos coronéis na assistência aos pobres.
Ao pender majoritariamente em favor de um lado, o voto do Nordeste desequilibra a balança eleitoral e assume papel decisivo na eleição para presidente. Dilma teve pouco mais de 12 milhões a mais do que José Serra no país; no Nordeste a vantagem foi de 10,7 milhões. Mesmo desconsiderando-se a votação dos nordestinos, Dilma ainda venceria por 1,3 milhão de votos.

Mas este é o raciocínio simples da questão, o aritmético. Há que se considerar o fato de que foi a maioria na região que lhe garantiu uma campanha favorável desde o início - como o primeiro lugar nas pesquisas e tudo o que isso significa. É como se um time começasse o jogo ganhando por 3 x 0. Pode até no final vencer por 5 x 1, quando aqueles três gols iniciais seriam desnecessários, mas começar na frente faz diferença na política e no futebol.

A socióloga Fátima Pacheco Jordão, especialista em pesquisa de opinião e fundadora do Instituto Patrícia Galvão (SP), percebeu com clareza a questão. Primeiro, diz ela, apenas a aritmética do voto não explica a eleição de Dilma; segundo, foi graças ao Nordeste que a sua candidatura ganhou perspectivas de vitória; terceiro, o Nordeste lhe deu o favoritismo que se manteve por toda a campanha. “O peso do Nordeste foi crucial para Dilma”, afirma Fátima. “É uma área estratégica para o futuro tanto do PT quanto da própria Dilma”. E a votação que os nordestinos lhe deram deve influenciá-la “pessoalmente”, considera Fátima Jordão.



Fonte: Diário de Pernambuco

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