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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Júlio Cerqueira César: “Piscinões não resolvem o problema de enchentes do Tamanduateí”


por Conceição Lemes
O Tamanduateí é um dos “cartões postais” da cidade de São Paulo. Nos meses de estiagem, o rio fede, devido ao esgoto que a Sabesp despeja nele e em seus afluentes.  No período das chuvas, ele transborda frequentemente, como já aconteceu várias vezes desde novembro.
“O Tamanduateí está totalmente superado em termos de capacidade de transporte de águas”, avisa o engenheiro Júlio Cerqueira César Neto. “Há mais ou menos 15 anos a ‘máfia dos piscinões’ vendeu à Prefeitura e ao governo do Estado de São Paulo a ideia de que só os piscinões resolvem o problema das enchentes. Como eles não têm apresentado os resultados  esperados,   e a  Prefeitura e o Estado não investiram no sistema de drenagem, a situação é dramática.”
O Tamanduateí nasce em Mauá, passa por Santo André e São Caetano do Sul — todos municípios do Grande ABC. Na capital paulista, percorre a Avenida do Estado inteira, atravessa o centro, no Parque D. Pedro II, desaguando no rio Tietê, em frente ao Palácio das Convenções do Anhembi.
O engenheiro Júlio Cerqueira César Neto foi durante trinta anos professor de Hidráulica e Saneamento da Escola Politécnica da USP. Nesta entrevista exclusiva ao Viomundo, ele faz o diagnóstico do rio que tem 35 quilômetros de extensão, da nascente à foz.
Viomundo – Na última segunda-feira, o Tamanduateí mais uma vez transbordou neste verão, inundando as áreas próximas às suas margens. O  que está acontecendo?
Júlio Cerqueira César – O rio Tamanduateí não tem capacidade para as vazões que ocorrem no período chuvoso, que vai de novembro a março ou abril. Essa é a época de chuvas intensas. Elas ocorrem sempre, mais ou menos vezes. E embora essas chuvas intensas sejam normais nesta época do ano, o rio não tem capacidade para transportar as suas vazões.  Ele está totalmente superado.
Para se ter uma ideia, a capacidade dele na foz [quando encontra o Tietê] é de 480 metros cúbicos por segundo, e essas chuvas intensas podem provocar vazões mais que 800 metros cúbicos por segundo. O Tamanduateí tem então de transportar quase o dobro da sua capacidade. Resultado: verte água. A situação é dramática.
Aliás, todos os seus afluentes – por exemplo, o córrego do Ipiranga, dos Meninos, do Oratório, da Moóca, o rio dos Couros — também enchem. Toda a bacia do Tamanduateí está sem condições de transporte das águas na estação das chuvas.
Viomundo – Por quê?
Júlio Cerqueira César –  Até inventarem os piscinões na área urbana, toda vez que havia problema de alagamento se resolvia com ampliação da capacidade dos canais, das galerias, etc. Ou seja, ampliação dos sistemas de drenagem da capital.
Porém, há cerca de 15 anos se decidiu na Prefeitura e no governo do Estado de São Paulo não aumentar mais os canais, apenas fazer piscinões. E como eles não resolvem o problema de enchentes e não se investiu nos sistemas de drenagem da cidade, ficamos sem nada.

Viomundo – Os piscinões não funcionam contra as enchentes!?
Júlio Cerqueira César – Não resolvem. Primeiro, eles têm de estar limpos para se ter o efeito desejado.  Levantamento feito em 2010 pelo Estadão mostrou que dos 19 existentes no município de São Paulo, oito estavam em condições razoáveis, os outros 11, entupidos ou abandonados. Segundo, quando se tem uma chuva atrás da outra, não dá tempo de eles serem esvaziados totalmente, mesmo que estejam limpos. Logo, não adianta também.
A área do Paço Municipal de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, está protegida por  sete piscinões. Na semana passada,  ficou debaixo d’água mais de uma vez.
Quer outra prova de que eles não funcionam como o esperado? Já existem 15 ou 16 na bacia hidrográfica do Tamanduateí, no ABC. As regiões  continuam enchendo.
Viomundo — O Tietê tem alguma repercussão sobre o Tamanduateí?
Júlio Cerqueira César — Muito pouco.  Se influi alguma coisa é na área do Parque Dom Pedro II, não lá para cima [bairros do Ipiranga, Vila Prudente, por exemplo], onde tem inundado.  O Tietê já encheu duas vezes este ano.
São Pedro também não é o responsável. Os culpados são a Prefeitura e o governo do Estado que não fizeram as obras necessárias, deixando a situação ir muito longe.
Viomundo – Ampliar o Tamanduateí seria uma saída?
Júlio Cerqueira César – O Tamanduateí está totalmente inserido na Avenida no Estado. Não há espaço para ampliá-lo, a menos que se acabe com a Avenida do Estado.
Viomundo – E qual seria a solução?
Júlio Cerqueira César – Como deixaram chegar a um ponto muito sério, a  solução é extremamente cara e  complexa.   Nós temos de fazer o desvio de parte das águas do  bacia do Tamanduateí para a represa Billings, por meio de grandes túneis.
Viomundo – Nesse caso, as águas dos afluentes do Tamanduateí no ABC iriam para a Billings em vez de virem para São Paulo?
Júlio Cerqueira César – É. Isso se chama reversão de bacias. Eu mesmo há 15 anos  fiz um projeto para o DAEE [ Departamento de Águas e Energia Elétrica], revertendo parte das águas do Tamanduateí para a Billings.
Viomundo – O que aconteceu com esse projeto?
Júlio Cerqueira César — Está na prateleira até hoje. Nós estamos diante de uma situação extremamente dramática. A solução exige obras de grande porte, complexas, difíceis, e se não fizermos, o Tamanduateí vai enchendo, como tem acontecido até agora.
Viomundo – O que a Prefeitura e o governo do Estado estão fazendo para resolver o problema do Tamanduateí?
Júlio Cerqueira César –  Assistindo a banda passar.
Viomundo – E os piscinões?
Júlio Cerqueira César – Também não estão fazendo, porque já sabem que não funcionam. Além disso, não há espaço para fazê-los.
Viomundo — Quer dizer que  o Tamanduateí vai continuar  enchendo?
Júlio Cerqueira César – Com certeza. E no ano que vem, de novo.  Até que decidam fazer alguma coisa.
Viomundo — O senhor disse que há cerca de15 anos se decidiu pelos piscinões e pela não ampliação do sistema de drenagem. O que levou a isso?
Júlio Cerqueira Neto –  É o que eu chamo de ‘máfia dos piscinões’. Existe um grupo de técnicos que vendeu à Prefeitura e ao governo estadual a ideia de que só o piscinão resolve.  Prefeitura e governo estadual aceitaram isso. Então só fazem piscinões.
Para a cidade foi lamentável. Provocou atraso muito grande no sistema de drenagem. Não podemos ficar 15 anos sem investir nessa área.
Viomundo – O que deveria ter sido feito ao longo desses 15 anos?
Júlio Cerqueira César – O que se fazia antigamente. A cada  ano a Prefeitura canalizava dois, três, quatro córregos. Essa ampliação de córregos e galerias dava resultados, funciona. Mas eles passaram a investir só em piscinões que não funcionam…
Agora, vamos aguardar e ver se algum luminar assume esse tipo de problema. É preciso muito coragem, porque realmente o problema é muito grande.
Lá atrás a gente a imaginava  túneis para jogar o excesso de água no mar. Mas via isso como utopia. Hoje não é utopia. Talvez tenha de se fazer isso mesmo.
Viomundo — Levar essa água para o mar!?
Júlio Cerqueira César — É. O excesso de água não tem para onde ir, então seriam feitos  túneis para transportá-la até o mar. É uma longa viagem. Mas não temos como resolver esse problema de forma indolor.
Viomundo – Professor, a situação atual decorre de incompetência, má fé ou o quê?
Júlio Cerqueira César – Incompetência do estado e da prefeitura que ficaram tantos anos sem investir adequadamente no sistema de drenagem, confiando só nos piscinões. Repito: há 15 anos o sistema de drenagem da cidade está nas mãos dos piscinões, e os piscinões estão dando os resultados que todos estamos vendo, ou seja, não resolvem o problema das enchentes.

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