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sexta-feira, 17 de junho de 2011

Washington Araújo: Ética & Imprensa, os desafios da profissão


por Washington Araújo, no Observatório da Imprensa
Convidado para discorrer sobre “Ética e Imprensa” para concluintes de Comunicação Social do Centro Universitário de Brasília, resolvi elencar alguns tópicos afetos a tema tão vasto. Inicialmente me perguntei sobre o que seria apropriado falar para meia centena de jovens que, com idade média inferior aos 25 anos, em breve se formarão jornalistas.
A seguir destaco algumas reflexões que incendiaram a imaginação (e os debates) desses meus futuros colegas:
Mercado de trabalho em constante mutação
Diante do advento das novas mídias, em especial o desenvolvimento da web, é notório o encolhimento do número de jornalistas trabalhando em redações. Isto ocorre porque os veículos de comunicação impressa enfrentam pesadas dificuldades financeiras, uma vez que passaram a ter concorrência direta dos meios virtuais na disponibilização de notícias à sociedade. Os meios virtuais oferecem de forma gratuita o que antes se conseguia mediante pagamento de assinatura ou de exemplar avulso. E se a divulgação de notícias na web é feita no momento mesmo em que esta acontece, no caso dos jornais temos um lapso de 24 horas entre uma edição e outra e, nas revistas de circulação nacional, observa-se intervalo de uma semana.
Enquanto isso, no meio virtual, a notícia é complementada, recebe adições, é atualizada instante a instante. Alguns jornais, como o Jornal do Brasil, deixaram de circular em seu formato papel e passaram a existir apenas na blogosfera.
O fato é que sempre haverá mercado de trabalho para bons jornalistas. E bons jornalistas são aqueles que observam princípios éticos. E também aqueles que têm no pensamento sua incrementada oficina de trabalho. Bons jornalistas conhecem bem o idioma pátrio e sabem como escrever. Bons jornalistas lêem muito e têm familiaridade com os clássicos da literatura nacional e internacional. Para estes, o emprego estará sempre ao alcance.
Diploma de jornalismo
Vem de longe a querela jurídica entre os que defendem que jornalista necessita ter diploma universitário e aqueles que acham dispensável a exigência. O entendimento corrente do Supremo Tribunal Federal é o da dispensabilidade do certificado acadêmico. Neste ponto, observei quão desestimulante é a situação atual para quem está prestes a concluir quatro anos de curso superior na área da comunicação social. Se antes o diploma constituía divisor de água entre “jornalistas formados” e “jornalistas informais”, no momento todos se sentem aptos a disputar o mesmo mercado de trabalho.
A capacitação universitária foi relegada a um segundo plano. E, penso, a qualidade do trabalho jornalístico encontra-se temporariamente comprometida. Tem sido corriqueiro constatar a forma desleixada com que pretensas reportagens são colocadas na internet, sem a devida contextualização e sem atender os requisitos formais que transformam um punhado de informações em notícia.
Não é o diploma que faz o jornalismo. Mas um jornalista com diploma, ao menos em tese, conhece bem o ofício. Tem conhecimentos específicos sobre como funciona o meio impresso, o rádio, a televisão e a internet. Consegue distinguir o que é notícia e o que não é. E terá em mente algumas das teorias da comunicação que em algum momento lhe serão de grande utilidade no exercício da profissão.
Monopólio dos veículos de comunicação
Poucos são os proprietários dos grandes veículos de comunicação. Não preenchem os dedos das duas mãos. E desfrutam do poder de decidir a agenda nacional, os temas a serem debatidos, as opiniões a serem disseminadas, o que é e o que não é notícia. São essas poucas famílias dos proprietários dos veículos de comunicação que dispõem de meios eficazes para a pronta divulgação de suas opiniões, especialmente em assuntos políticos e econômicos, em detrimento de opiniões contrárias.
Esse monopólio tem concentrado imenso poder para seus proprietários defenderem nada mais que os seus próprios interesses. Não é fantasioso admitir que parte de nossa grande imprensa tem sido subserviente ao grande empresariado, e não causa surpresa que os anunciantes exerçam controle da linha editorial. É necessária a promoção da pluralidade de idéias. E é bastante difícil tal pluralidade se os meios de comunicação formam, na prática, nefasto monopólio da informação.
A proibição à prática de monopólio na área da comunicação é objeto do parágrafo 5º do artigo 221 da Constituição Federal. Estipula nossa Carta Magna: “Os meios de comunicação não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. Democratizar o acesso aos veículos de comunicação facilita a quebra do monopólio e enseja a participação de novos protagonistas, personagens que terão direito não apenas à voz, mas também o direito de serem ouvidos. Nesta direção, outro passo positivo seria assegurar o pleno funcionamento do Conselho de Comunicação Social, previsto como órgão auxiliar do Congresso Nacional no artigo 224 da Constituição Federal.
Defesa do viés sensacionalista
Começando pelo jornalismo televisivo, cada vez mais a notícia passa a ser vista como mero entretenimento. O jogo de imagens e de sons colabora para, uma vez editorializado, apresentar a notícia em ritmo de videoclipe. É a sociedade do espetáculo onde mais vale a audiência, não importando a forma como esta precisa ser alcançada.
Conceder mais atenção ao efêmero, ao superficial e ao sensacionalista é a regra. A objetividade e a isenção, não importa quão difíceis sejam de alcançar no trabalho jornalístico, terminam sendo relegadas a um melancólico segundo nível de importância. Dessa forma, sua cobertura dos acontecimentos é a consagração do trivial ou, muitas vezes, apenas do senso comum. É a profundidade da lâmina de barbear deitada.
Na mesma linha podemos observar o papel desempenhado pela imprensa na formação de consumidores em detrimento de cidadãos. Tem sido comum encontrarmos “reportagens” que, ao fim e ao cabo, nada mais intentam que alavancar a venda de produtos, objetos, imóveis, máquinas e equipamentos etc. Cada vez mais “informes publicitários” são publicados de forma confusa e, muitas vezes, tentam se passar por reportagens. É dever prioritário do jornalista a busca constante de notícias, mas com responsabilidade, honestidade, independência, exatidão e imparcialidade.
O controle do mercado das ideias
A característica empresarial dos meios de comunicação ocupa crescente relevo na atividade da comunicação. E um fator determinante do empresariado é reduzir a concorrência. Neste caso, os efeitos nocivos logo se apresentam com o fortalecimento do pensamento único e a adoção de práticas francamente corporativas.
Na situação atual do Brasil pode-se afirmar que o mercado das ideias, que deveria ser livre e aberto, encontra-se em perigo. Os veículos de comunicação podem até divergir em sua linha editorial, mas a divergência é mais cosmética –no que realmente importa, fecham-se em copas. As ideias postas em circulação necessitam de adequada repercussão e, para tanto, se submetem a filtros ideológicos.
É fato que diariamente veículos de comunicação erram. E não é isto que se encontra em discussão. Afinal, a infalibilidade está longe de ser atributo de jornalistas, redatores etc. A ética necessita permear qualquer ofício humano. E neste caso, a ética nada mais é que a observância de preceitos morais, o cultivo do senso de justiça, a livre e independente pesquisa da verdade. Mas se o indivíduo não preza a ética em sua vida privada dificilmente o fará em seu trabalho profissional.
Resistência a transformações sociais
Os meios de comunicação muitas vezes se posicionam como pontas de lança na resistência a adoção de novas políticas públicas, em particular aquelas que têm como objetivo saldar dívidas históricas com segmentos vulneráveis da população. Tem sido assim com a questão do desarmamento, tem sido assim com a adoção de cotas para acesso à educação superior por parte de afrodescendentes e de indígenas. Para criar obstáculos a mudanças sociais tem sido comum a concessão de amplo espaço para o jornalismo de opinião, escalando-se intelectuais afinados com o discurso a ser defendido.
O clamor da sociedade para uma melhor qualidade da programação da televisão aberta tem sido constantemente rotulado pelos principais meios de comunicação como atentados à liberdade de expressão no país.
O ocaso do “outro lado”
É comum a invasão da privacidade das pessoas. Revistas e jornais de circulação nacional começam a divulgação de escândalos sabendo de antemão quem são os bandidos. As reportagens buscam alcançar o veredicto esperado. A intensidade com que são feitas as denúncias não guarda paralelo com o interesse em se ouvir o saudável “outro lado”, as percepções sobre o mesmo tema colocadas sobre outros enfoques. É corriqueiro que os veículos de comunicação usurpem de funções privativas do Poder Judiciário: instauram processo, fazem a denúncia, promovem a acusação, escolhem os jurados que, na forma de opinião, defendem seus interesses e, finalmente, dão publicidade à condenação.
Na maioria dos casos recebem despreocupadamente a notícia de que serão processados por quem se sente caluniado, difamado. A despreocupação vem de um histórico em que os veículos são quase sempre absolvidos nas várias instâncias judiciárias. Juízes são contumazes em transformar crimes de calúnia e de difamação em meras práticas jornalísticas na investigação de um tema ou de uma pessoa. E se o demandante ocupa cargo público não é incomum que se levante até a tese do cerceamento da liberdade de imprensa.
As vítimas da imprensa, muitas vezes, desistem de recorrer dos julgamentos da imprensa. É que, uma vez perdida a batalha da imprensa, perde-se também a batalha da opinião pública. Perdendo essas duas, não existem condições para reaver direitos sequestrados através dos tribunais.
É imprescindível que o jornalista conheça – e conceda importância – a opiniões que contraditam suas fontes. É do choque de opiniões que poderá surgir a fagulha capaz de iluminar um texto jornalístico ou fornecer pistas para o jornalismo fundado na investigação. Não existe nada mais pernicioso no trabalho do jornalista do que escolher de antemão o desfecho para sua matéria e só então se lançar na pesquisa das linhas de investigação e de argumentação a serem seguidas.
Foi grande a minha surpresa ao ver que pensamentos como estes aqui esboçados encontraram eco naquela especialíssima audiência: nossos futuros repórteres, chefes de redação, editores, comentaristas de rádio, apresentadores de telejornais. E, quem sabe?, futuros donos de alguns veículos de comunicação.
Washington Araújo é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil, Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org
Email – wlaraujo9@gmail.com

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