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sábado, 12 de dezembro de 2009

Quem representa a opinião pública

O vídeo abaixo foi gravado em maio de 2008. Nele mostro resumidamente a imprudência que se apossou da mídia brasileira, colocando em risco valores que estão acima dela, como liberdade de expressão e sigilo de fonte. Assista, para depois discutirmos o tema e a questão central: liberdade de informação é um bem público. E um bem público pode ser entregue sem nenhuma restrição a grupos que têm interesses mais amplos que se sobrepõem à boa informação?


Não dá para analisar conceitos de forma independente da realidade do país.

O primeiro ponto a se considerar é que a liberdade de informação é um bem público – de todos – destinado a defender a sociedade contra os desmandos do Estado ou dos grandes poderes econômicos.

O ponto de questionamento é sobre quem representa a sociedade, no campo da informação.

Nos Estados Unidos conferiu-se esse mandato à imprensa, simplesmente porque não havia outras formas de expressão coletiva. Surgiu uma mídia diversificada, plural, sustentada por classificados – e, portanto, não dependente de patrocinadores exclusivos.

Esse quadro mudou.

A sentença do juiz Carlos Henrique Abrão – no caso Eurípedes/Nassif – foi exemplar para demonstrar o novo entendimento sobre o papel da mídia. Os jornais pertencem a grupos empresariais com interesses extra-jornalísticos. Muitas vezes o direito à informação é utilizado para atender a estratégias empresariais desses grupos. Quem está fazendo o contraponto, o papel moderador, são os novos meios de comunicação, na Internet.

Tudo isso passou ao largo do voto, por exemplo, do Ministro Celso de Mello, um amontoado de retórica vazia, sem a mínima preocupação em analisar a realidade do jornalismo atual.

O sigilo de fonte como blindagem para atos irregulares

O que se tem objetivamente:

1. O direito ao sigilo de fonte tem sido sistematicamente utilizado como manobra para jogadas de lobbies, através de expedientes dos mais variados. De certo modo, faz-se o mesmo papel de advogados que são utilizados por grupos criminosos para ações paralegais.

Uma breve relação de casos recentes:

• Um lobista encaminha à Veja um relatório com acusações falsas contra membros da ANP (Agência Nacional do Petróleo). O trabalho é passado para Diogo Mainardi – parajornalista que a revista passou a utilizar para esse tipo de trabalho. O dossiê falso é apresentado como trabalho oficial da Polícia Federal. Não há nenhuma necessidade de comprovar a origem porque a revista se escondeu sob o sagrado direito de sigilo de fonte.

• Daniel Dantas encaminha à Veja – através de Diogo Mainardi – um suposto relatório italiano que conteria acusações contra seus adversários na mídia. O relatório é sistematicamente utilizado como ferramenta de achaque contra jornalistas (para intimidá-los) e entregue pelo próprio parajornalista a um juiz, para servir de prova a favor de Dantas. Se fosse entregue por Dantas ou por seu advogado, não teria eficácia. O parajornalista atua como intermediário e, graças ao sagrado direito do sigilo de fonte, não é obrigado a revelar a jogada. Leia no episódio “O lobista de Dantas“.

2. A manipulação de escândalos ou de ênfases visando beneficiar grupos concorrentes.

• No episódio “O Araponga e o Repórter” mostro como o episódio que deflagrou o mensalão (a propina de R$ 3 mil ao funcionário dos Correios) foi feito em parceria da Veja com uma quadrilha ligada ao bicheiro Carlinhos Maracanã – que assumiu o controle dos negócios dos Correios depois da queda do esquema Roberto Jefferson.

• No episódio Ambev-Kayser, o repórter prepara uma manchete para a Folha escandalizando uma conversa banal grampeada, entre o advogado Ayton Soares e uma conselheira do CADE (Conselho Administrativo de Direito Econômico). Não saiu apenas porque uma assessora da Ambev soube que seria manchete principal, sendo tratado como conversa comprometedora, e ligou para a direção do jornal informando que o telefonema do repórter ficara registrado no bina da assessoria. Quando ligaram de volta, foi parar no escritório pessoal do lobista Egberto Batista. Depois da intervenção, a manchete foi cancelada e a matéria saiu dois dias depois, despida das interpretações escandalizantes.

3. Além de manobras negociais, o sigilo de fonte tem se prestado a vazamentos seletivos de inquéritos, com o propósito de atingir adversários das fontes.

• Dois procuradores, Guilherme Schelb e Luiz Francisco, passam intrigas contra a colega Delza Curvello para o Correio Braziliense. Com base nas matérias publicadas, denunciam a colega ao corregedor. O sigilo de fonte garantiu o sucesso da primeira parte da empreitada.

• Muitas partes irrelevantes de inquéritos são divulgados com interpretações próprias por parte dos vazadores, promovendo a chamada escandalização do nada, com efeitos nefastos sobre a reputação dos atingidos.

• O próprio episódio da ficha falsa de Dilma Rousseff foi típico do uso distorcido do sigilo de fonte. A fonte era um email apócrifo. Durante semanas, a Folha insistia que a fonte eram os arquivos do DOPS.

4. A liberdade ilimitada sempre induz a abusos. As denúncias se referem a matérias que saíram publicadas. Não se sabe a quantidade de denúncias – falsas ou verdadeiras – que deixaram de ser veiculadas depois de acertos comerciais.

O mercado imperfeito

Votos genéricos sobre o tema – como a erudição vazia do Ministro Celso de Mello – passam ao largo de uma realidade muito mais complexa.

Por exemplo, para conferir à imprensa o monopólio da representatividade da opinião pública, teria que se partir – no mínimo – do pressuposto de um mercado concorrencial perfeito onde os abusos de um veículo seriam denunciados pelos concorrentes.

No Brasil, há um caso claro de cartelização da mídia. Três jornais, uma rede de televisão e uma revista semanal praticamente dominam o mercado de informação.

Esse acordo – clara formação de cartel – impede a competição e abra largo espaço para toda sorte de abusos.

Seria muito exigir que Celso de Mello entendesse o mercado de opiniões como similar (e mais importante) que outros mercados cartelizados?

Direito à informação

A questão central é que, apesar de toda distorção dos últimos anos, o direito à informação e o sigilo de fonte são pressupostos fundamentais para a liberdade de informação. Mas como salvar esses princípios daqueles que os conspurcaram nos últimos anos?

A discussão teria que ser, então, sobre quem representa de fato esse direito à informação. Certamente não é a velha mídia. Por outro lado, a criação de conselhos profissionais levaria a uma politização nefasta do tema.

Em outros tempos, um conselho de auto-regulação poderia conferir um mínimo de legitimidade à mídia. Mas o acúmulo de compromissos, a ampliação da zona cinzenta de atuação dos jornais, seu envolvimento com esquemas barras-pesadas afastam qualquer possibilidade de que atuem com transparência.

Coloco esses temas em discussão, sem ter clareza ainda sobre as saídas.

1. Uma delas, certamente, será a ampliação do espaço da nova mídia aos movimentos sociais, associações empresariais e todo o espectro de órfãos da mídia. Para tanto, a próxima Confecom (Conferência Nacional de Comunicação) em Brasília será fundamental. Há que se eliminar gradativamente a politização das concessões de rádios e TVs e montar um modelo no nascedouro que impeça a repetição de cartéis na Internet.

2. Outra é desmontar o modelo de cartelização da publicidade, que tem seus eixos principais na prática da Bonificação de Volume (que fere qualquer norma de direito econômico) e na falta de transparência do IVC (Instituto Verificador de Circulação) e do IBOPE, respectivamente na avaliação da tiragem da imprensa escrita e na audiência das emissoras de televisão. Direito econômico nesse pessoal, para instituir o verdadeiro capitalismo de mercado na mídia.

3. Como a Internet será o grande fórum de discussões políticas e de representatividade social, políticas públicas que facilitem não apenas a inclusão digital mas a entrada de grupos sociais e regionais no mercado de opinião, estimulando a criação de blogs e sites ligados a entidades sociais.

Crédito
Luis Nassif

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