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segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Debate necessário: A Espanha violou direitos?


Brasília, 06 de fevereiro de 2011
Exmo Sr. Embaixador da Espanha no Brasil, Dr. Carlos Alonso Zaldívar,
Na condição de cidadã brasileira gostaria de problematizar as questões abordadas pelo Sr. em sua carta divulgada no dia 04/02/2011 em alguns meios de comunicação. Primeiramente, gostaria de reiterar que não se trata de um “caso isolado”, como foi mencionado, haja vista que, conforme o Sr. mesmo afirma, somente no ano de 2010 aconteceram 1.831 casos com brasileir@s. Esta cifra não parece coerente com a afirmação referida. De todo modo, independente das circunstâncias, todas estas pessoas são cidadãos de direitos e, como tal, devem ser tratados. E esta é exatamente a questão central que não foi abordada pelo Sr., a violação dos direitos humanos.
Evidentemente que todas as nações são soberanas para decidir quem entra ou não entra em seus territórios, mas os direitos humanos precisam ser garantidos.
No entanto, eu não tive direito à informação. Fiquei 15 horas detida sem saber os motivos. Nenhuma pessoa da Polícia, em nenhum momento, me explicou nada sobre os motivos pelos quais estava detida e, tampouco, sobre os procedimentos que estavam sendo encaminhados.
Não tive direito à telefonema. Tive que comprar cartão telefônico da “trabajadora social” da Polícia para poder telefonar, caso contrário, não teria tido a possibilidade sequer de acionar a Embaixada e o Consulado.
Fui revistada fisicamente e as minhas bagagens confiscadas sem saber nem mesmo o motivo pelo qual estava sendo revistada e detida.
Somente tive direito a um advogado e uma tradutora depois de sete (7) horas detida, revistada e presa em uma sala.
Fui tratada como criminosa pela Polícia e escoltada todo o tempo em que estive detida.
Fui escoltada para o avião, conduzida em carro de Polícia e exposta à constrangimento público.
Excelentíssimo Sr. Embaixador, gostaria de saber se tais atos refletem a garantia dos direitos humanos pela Espanha? Gostaria de saber se a Espanha concorda e avaliza tais atos da Polícia?

Além disso, em sua carta o Sr. afirma que minha negação de entrada na Espanha se deu por dois motivos: “O primeiro, que a Sra. Severo, apesar da sua boa vontade, não dispunha de alguns dos documentos ou comprovantes necessários. E segundo, porque não se usou adequadamente o mecanismo previsto para estes casos, mediante a intervenção do Consulado Geral do Brasil em Madrid.”
Iniciemos pelo primeiro ponto: falta de documentos.
Eu portava passaporte, passagem de ida e volta, reserva do Hotel, seguro viagem, documento do Ministério da Cultura que comprova que trabalho em um projeto governamental, cópia da escritura da casa própria, carteira de motorista internacional, cartão TravelMoney do Banco do Brasil, cartão de crédito Banco do Brasil International, euros em espécie e extratos assinados pelo Banco do Brasil que comprovavam a compra de euros acima do necessário para a quantidade de dias que iria passar de férias na Espanha. Portanto, eu tinha todos os documentos exigidos, conforme descrito no site da Embaixada da Espanha.
Todavia, o argumento da Polícia para negar minha entrada foi o de que não havia reserva de Hotel no nome de minha amiga. Ou seja, quando a Polícia afirma que eu estou sendo barrada porque não há reserva em nome de minha amiga (que também é coordenadora do projeto governamental para o qual trabalho) ela está afirmando que, se houvesse a confirmação da reserva em nome de minha amiga eu não seria barrada. Raciocínio lógico.
Pois bem, diante do argumento da Polícia, como o Sr Embaixador explica que a Polícia da Espanha tenha desconsiderado o telefonema em viva voz realizado pelo advogado disponibilizado para minha defesa, no qual a recepção do Hotel afirmou que havia reserva em nome de minha amiga e que inclusive ela já se encontrava hospedada, mencionando até o número de seu quarto?
Como é possível a Polícia, após escutar este telefonema com várias testemunhas presentes, afirmar que este telefonema não valia nada para ela e reiterar que o motivo pelo qual eu estava sendo barrada era porque não havia reserva em nome de minha amiga?
É esse o direito de defesa que os cidadãos estrangeiros recebem na Espanha?
Então Sr Embaixador, gostaria sinceramente de compreender por que a Polícia oferece um advogado para defender um cidadão estrangeiro se ela mesma não reconhece o argumento e as provas apresentadas por este advogado?
Além disso, Sr Embaixador, eu portava o documento da reserva do Hotel que comprovava exatamente o argumento que a Polícia utilizou para negar minha entrada.
Ademais, mesmo que o argumento da Polícia tivesse sido, e não foi, a inexistência de reserva de hotel em meu nome (visto que a reserva foi de um quarto duplo e o site do Hotel não exigiu dois nomes), eu lhe perguntaria: existe algum sistema nacional coordenado pelo Ministério do Turismo ou qualquer outro Ministério, que obrigue os sites de todos os Hotéis da Espanha a exigirem a descrição de dois nomes quando do ato da reserva de um quarto duplo?
Com relação à segunda questão abordada em sua carta: “não se usou adequadamente o mecanismo previsto para estes casos, mediante a intervenção do Consulado Geral do Brasil em Madrid.”
Reafirmo que acionei adequadamente o Consulado Geral do Brasil, conforme foi confirmado pelo Itamaraty. Lembrando que somente pude acessar porque comprei cartões telefônicos da própria Polícia, caso contrário não teria conseguido acioná-lo.
Quero explicitar que os questionamentos aqui presentes visam, sobretudo, pautar a discussão no seio da sociedade sobre o imperativo ético da garantia dos direitos humanos de todos os cidadãos do mundo.
Por fim, uma pergunta não cala: será coincidência do acaso o fato de somente estar detidos latino-american@s e/ou negr@s?
Respeitosamente,
Denise Severo
Pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB)
Coordenadora Pedagógica do Projeto Vidas Paralelas (MinC/MS/UnB/REC-ST)
deniseosorios@hotmail.com
Fonte: Vi o mundo

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